Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 04, 2007

Mailson da Nóbrega BC sem aparelhamento

Há uma semana, três dos qualificados funcionários do Banco Central foram indicados para compor sua diretoria. No governo Lula, o BC é um dos pouquíssimos casos de preenchimento de cargos pelo critério exclusivo de mérito. Não há sinais de que o ministro da Fazenda ou outro membro do primeiro escalão do governo tenha exercido influência no processo de escolha desses diretores.

Foi mais uma prova de que Lula entende a necessidade de preservar o BC da disputa por cargos pelos militantes do PT e partidos aliados. Em muitos outros casos, vale mais a filiação ao PT, a simpatia pelo partido ou os acordos fisiológicos.

A mesma sorte não tiveram o grupo Petrobrás, o Banco do Brasil, o BNDES, a Caixa Econômica, o Basa, o BNB e outros órgãos e entidades. Em alguns, diretores despreparados se envolveram em escândalos. Agora, o Ipea entrou na lista. Seus novos dirigentes parecem pautar-se por visões estatistas ultrapassadas e até por intolerância, o que constitui risco para a excelência dos mais de 40 anos desse centro autônomo de pensamento.

É verdade que o BC opera sob ambiente hostil. Sua ação recebe ataques reiterados do vice-presidente da República. Ministros (e agora o Ipea) palpitam sobre as decisões do Copom. Antes, o atual ministro da Fazenda era crítico freqüente. Após chegar lá, suas investidas desapareceram paulatinamente, ainda que no anonimato seus assessores abasteçam a imprensa com opiniões contrárias à política monetária.

O que importa, entretanto, é a força que Lula dá ao BC, não perdendo oportunidade de afirmar seu compromisso com a autonomia operacional da instituição. É impressionante como o presidente demonstra conhecer o nexo causal entre a política monetária responsável e a estabilidade dos preços.

Assim, o BC se tornou o centro do principal êxito do governo, qual seja a redução substancial, a custos relativamente baixos, dos perigosos índices de inflação de 2003, resultantes do medo de uma guinada na gestão macroeconômica. A política monetária reforçou a previsibilidade da economia e contribuiu para o surgimento do mais promissor e saudável ciclo de crédito da nossa história.

Vivemos, por isso, uma situação de preços sob controle, estabilidade macroeconômica, credibilidade do BC e ausência de volatilidade (na inflação, no produto e na renda). São ingredientes básicos que explicam a ampliação do acesso da população a bens de consumo durável e à casa própria, e a correspondente elevação do bem-estar geral.

Os robustos índices de popularidade de Lula decorrem em grande parte dessa situação, cujos frutos brotaram de sua corajosa decisão de manter a política econômica do antecessor, prestigiar a ação do BC e fazer ouvidos de mouco aos que pedem "ousadia" na política monetária. O presidente entendeu que com inflação não se brinca.

A credibilidade dos bancos centrais aumentou nos países desenvolvidos nos últimos 25 anos, como resultado do sucesso no combate à inflação. Seu trabalho foi facilitado por um conjunto benigno representado por autonomia operacional, globalização financeira e maior capacidade de coordenação, esta derivada da tecnologia de informação e da evolução da teoria econômica.

Como lembrou recentemente a revista The Economist, a vitória contra a Grande Inflação dos anos 1970 se deve em grande parte à maneira como os bancos centrais aprenderam a conduzir a política monetária. "A ancoragem das expectativas inflacionárias em níveis moderados se associou aos avanços tecnológicos e à globalização para apoiar o crescimento forte e sustentável."

No Brasil, essa realidade demorou, mas afinal chegou. A preparação do BC para este momento levou cerca de 60 anos desde a previsão legal de sua criação (1945), 40 de seu nascimento (1965) e 20 do corte do cordão umbilical que o ligava ao Banco do Brasil via "conta de movimento" (1986). Em 1994, o Plano Real iniciou a trajetória que o levará à autonomia legal, provavelmente no próximo governo.

Quando se escrever a história das dificuldades de consolidação institucional do Banco Central, uma verdadeira saga, o crédito pelo êxito se estenderá por diferentes épocas, governos e indivíduos, mas a blindagem contra o patrulhamento e a resistência à idéia de um banco central "desenvolvimentista" no governo Lula terá sem dúvida bom destaque.

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