Foi mais uma prova de que Lula entende a necessidade de preservar o BC da disputa por cargos pelos militantes do PT e partidos aliados. Em muitos outros casos, vale mais a filiação ao PT, a simpatia pelo partido ou os acordos fisiológicos.
A mesma sorte não tiveram o grupo Petrobrás, o Banco do Brasil, o BNDES, a Caixa Econômica, o Basa, o BNB e outros órgãos e entidades. Em alguns, diretores despreparados se envolveram em escândalos. Agora, o Ipea entrou na lista. Seus novos dirigentes parecem pautar-se por visões estatistas ultrapassadas e até por intolerância, o que constitui risco para a excelência dos mais de 40 anos desse centro autônomo de pensamento.
É verdade que o BC opera sob ambiente hostil. Sua ação recebe ataques reiterados do vice-presidente da República. Ministros (e agora o Ipea) palpitam sobre as decisões do Copom. Antes, o atual ministro da Fazenda era crítico freqüente. Após chegar lá, suas investidas desapareceram paulatinamente, ainda que no anonimato seus assessores abasteçam a imprensa com opiniões contrárias à política monetária.
O que importa, entretanto, é a força que Lula dá ao BC, não perdendo oportunidade de afirmar seu compromisso com a autonomia operacional da instituição. É impressionante como o presidente demonstra conhecer o nexo causal entre a política monetária responsável e a estabilidade dos preços.
Assim, o BC se tornou o centro do principal êxito do governo, qual seja a redução substancial, a custos relativamente baixos, dos perigosos índices de inflação de 2003, resultantes do medo de uma guinada na gestão macroeconômica. A política monetária reforçou a previsibilidade da economia e contribuiu para o surgimento do mais promissor e saudável ciclo de crédito da nossa história.
Vivemos, por isso, uma situação de preços sob controle, estabilidade macroeconômica, credibilidade do BC e ausência de volatilidade (na inflação, no produto e na renda). São ingredientes básicos que explicam a ampliação do acesso da população a bens de consumo durável e à casa própria, e a correspondente elevação do bem-estar geral.
Os robustos índices de popularidade de Lula decorrem em grande parte dessa situação, cujos frutos brotaram de sua corajosa decisão de manter a política econômica do antecessor, prestigiar a ação do BC e fazer ouvidos de mouco aos que pedem "ousadia" na política monetária. O presidente entendeu que com inflação não se brinca.
A credibilidade dos bancos centrais aumentou nos países desenvolvidos nos últimos 25 anos, como resultado do sucesso no combate à inflação. Seu trabalho foi facilitado por um conjunto benigno representado por autonomia operacional, globalização financeira e maior capacidade de coordenação, esta derivada da tecnologia de informação e da evolução da teoria econômica.
Como lembrou recentemente a revista The Economist, a vitória contra a Grande Inflação dos anos 1970 se deve em grande parte à maneira como os bancos centrais aprenderam a conduzir a política monetária. "A ancoragem das expectativas inflacionárias em níveis moderados se associou aos avanços tecnológicos e à globalização para apoiar o crescimento forte e sustentável."
No Brasil, essa realidade demorou, mas afinal chegou. A preparação do BC para este momento levou cerca de 60 anos desde a previsão legal de sua criação (1945), 40 de seu nascimento (1965) e 20 do corte do cordão umbilical que o ligava ao Banco do Brasil via "conta de movimento" (1986). Em 1994, o Plano Real iniciou a trajetória que o levará à autonomia legal, provavelmente no próximo governo.
Quando se escrever a história das dificuldades de consolidação institucional do Banco Central, uma verdadeira saga, o crédito pelo êxito se estenderá por diferentes épocas, governos e indivíduos, mas a blindagem contra o patrulhamento e a resistência à idéia de um banco central "desenvolvimentista" no governo Lula terá sem dúvida bom destaque.