Fim da turnê
Antigamente, viajar ao exterior tinha mais graça, porque havia sempre novidades para contar. Agora a gente sabe tudo na mesma hora e pode comprar no Brasil quase tudo o que se pode comprar fora. Descartei até mesmo piadas engraçadíssimas, como aquela da decepção do criador de passarinhos brasileiro, que correu toda a Bélgica e não viu um só canário belga, ho-ho. Ou do outro brasileiro que visitou a Escócia e recusou o uísque da terra porque não bebia uísque nacional, esta é fina. Ou ainda a novíssima, segundo a qual não se acha torta alemã em Berlim, o que pode se achar é uma alemã torta ou outra, ha-ha-ha.
Pelo contrário, vamos parar de rolar de rir com minhas piadas e reconhecer que, nesta turnê, houve muitos momentos de grande seriedade. Praticamente no dia em que cheguei, um amigo alemão consternado, depois de alguma hesitação para não me assustar demais, comunicou que meu túnel acabara de cair.
- Meu túnel caiu? Meu Deus do céu, eu nem sabia que tinha um túnel! Você tem certeza disso?
- Caiu, caiu. Eu vi na internet, caiu seu túnel. Mas parece que não morreu ninguém.
- Bem, pelo menos isso. Mas, me desculpe por perguntar outra vez, você tem certeza de que o túnel era meu?
- Absoluta. A notícia afirmava claramente: caiu o túnel do Brasil. Você é brasileiro, logo caiu seu túnel. É chato lhe dar esta notícia, mas achei melhor eu mesmo dá-la do que você tomar um susto pior, com algum boato que possa aparecer.
- Espere aí, Helmut. Eu sou brasileiro, mas posso lhe garantir que o túnel não era meu, acho que devem existir muito poucos túneis particulares no Brasil. Ainda mais meu, tem algo errado aí.
- Ach so! Há vários túneis no Brasil, então? Agora é minha vez de perguntar: você tem certeza?
Depois de mais alguns minutos de debates, elucidação de mal-entendidos e troca de informações desencontradas, Helmut, embora meio desconfiado, se convenceu da relativamente comum existência de túneis no Brasil. E, preocupado, perguntei se por acaso ele sabia o nome do túnel, ou pelo menos onde ficava. Não, ele não fazia idéia. Se soubesse antes que havia mais de um túnel no Brasil, teria prestado atenção, embora tivesse problemas com as complicadíssimas palavras de minha língua. Mas Alena sabia; não sabia, Alena? Alena, a mulher dele, sabe tudo e informou não só o lugar do túnel, como o nome: Rebokaz, Rebotschaz, uma coisa assim.
E, desta forma, me inteirei do acidente no túnel Rebouças, no Rio de Schaneiro, e fui checar o resto. Que transtorno, que confusão na cidade, devia estar um caos completo. Mas logo, também via internet, soube que o prefeito disse que o acidente só prejudicava quem tinha carro. Ah, bom, ah então tudo bem, exagero dessa imprensa despoliciada, nada como a palavra das autoridades competentes para nos tranqüilizar, como quando, depois de reportagens e queixas alarmistas, o presidente disse que o Brasil estava chegando à perfeição na saúde pública e compreendemos que éramos felizes e não sabíamos.
Pouco mais tarde, porém, soube da soda cáustica no leite e derivados. O quê? Soda cáustica, aquela de desentupir ralo de banheiro, que derrete até bolos de cabelo? Aquela mesmo. Não era possível e, ao contrário do Rebouças, as informações disponíveis eram poucas. Mas o Helmut, homem de esquerda, logo me acalmou. Eu que não me preocupasse, era tudo mais uma solerte manobra capitalista, disse ele. Como soda cáustica no leite é manobra capitalista?
- Você já pensou no aumento do consumo de roupas íntimas no Brasil? Há alguma que resista? Mas fique na sua, que da Silva dá logo um jeito.
Claro, claro. E me preparei todo contente para o retorno, já vendo as manchetes dos jornais: "Criado o Bolsa-Cueca." Da Silva não aliveia.
''''Um prendedor de roupas no nariz poderá ser a punição para quem não pagar a taxa de respiração''''
''''O Ministério da Respiração surgirá quando não houver mais empregos para o Nosso Guia dadivar''''