Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 11, 2007

Estadão entrevista Eduardo Giannetti

''''Querem faturar em cima da ignorância do cidadão''''

Na contramão dos que celebram a expansão do crédito, economista chama atenção para o alto endividamento das famílias

Carlos Lo Prete


Carro sem entrada e em 90 prestações, 30 anos para pagar a casa própria, crédito consignado, vendas recordes no varejo... Os mesmos números que entusiasmam governo, empresas e bancos são motivos de preocupação para o economista Eduardo Giannetti, professor do Ibmec São Paulo.

"O endividamento das famílias no Brasil está chegando a níveis perigosos", alerta. Giannetti se mostra preocupado com a desinformação generalizada acerca dos abusos que acompanham o crédito fácil.

A desinformação não acomete somente famílias de baixa renda. "Tem gente rasgando dinheiro", diz, referindo-se a uma parcela da classe média que prefere pagar os altos juros do cheque especial e do cartão de crédito a mexer numa aplicação financeira.

Ao levar para a TV o seu livro O Valor do Amanhã, Giannetti apresentou a milhões de brasileiros os conceitos presentes na obra, especialmente o das trocas intertemporais. Ganhar hoje para gastar amanhã ou já ir gastando hoje o que terá de ser pago amanhã e depois de amanhã? Dilemas como esse, na visão do autor, ajudam a sublinhar determinadas características de indivíduos e de nações inteiras. No caso do Brasil, Giannetti detecta certa "miopia temporal", que impede o País de enxergar mais à frente.

A série O Valor do Amanhã, que acaba de ser apresentada no Fantástico, será lançada em DVD pela Globo Marcas. A idéia, segundo Giannetti, é aproveitar o material que não chegou a ser exibido na atração dominical. A seguir, trechos da entrevista.

O brasileiro tem dificuldade de entender que compromete renda futura ao adquirir um bem em ?suaves prestações?, quase sempre pagando muito mais caro por isso?

O consumidor brasileiro de baixa renda é explorado e manipulado por uma prática que nós não podemos tolerar. É uma prática abusiva que, de certa maneira, se beneficia da incapacidade de pessoas de baixa escolaridade de entender certas realidades um pouco mais complexas. Especificamente: em qualquer país onde os juros são muito mais civilizados o preço à vista é diferente do preço a prazo. Logo no Brasil, que pratica as taxas de juros mais elevadas do planeta, o varejo vende para a população uma ilusão de que o preço à vista é o mesmo do parcelado em 12 ou 20 vezes. Na verdade, embutem o juro no preço à vista, omitem, sonegam a informação da diferença e empurram o crédito ao cidadão que, se tivesse a informação, poderia preferir não ter o crédito, poupando para comprar à vista. Apresentar uma informação de que o preço à vista é igual ao preço a prazo é uma manipulação de comportamento. O que ocorre no Brasil é uma exploração da economia popular, um abuso de poder e uma manipulação de informação. Querem faturar em cima da ignorância do cidadão. Manipulam a informação para induzir a um comportamento.

O que fazer?

É cabível uma lei obrigando a explicitar a diferença entre comprar à vista e comprar em 12 ou 20 vezes em um país onde o juro é tão elevado como é no Brasil. Em qualquer país organizado, é isso o que acontece. Mas no Brasil você tem essa enganação geral de que não há diferença. O endividamento das famílias está chegando a níveis perigosos. Algumas empresas têm feito levantamentos sobre o grau de endividamento de seus funcionários e a constatação é de que a coisa está se agravando. O comprometimento de renda futura por conta de dívidas está ficando grave. Oitenta por cento das vendas de carros novos são a crédito, por exemplo. Está se indo com muita sede ao pote.

É generalizado o comportamento de comprar sem se informar?

Uma administradora de cartões de crédito fez um levantamento e descobriu muita gente pendurada no cartão pagando juros exorbitantes, e boa parte dessas pessoas tem aplicação financeira, às vezes no mesmo banco. E essas pessoas estão pagando juros de duas a três vezes maiores do que os que estão recebendo nas aplicações. Se essas pessoas fossem rasgar dinheiro, não estariam fazendo nada muito diferente. E depois as pessoas ainda se surpreendem com os lucros dos bancos no Brasil.

Como explicar?

Uma possibilidade de explicação desse comportamento é a seguinte. A pessoa é tão incontinente que sabe que, se mexer naquela aplicação financeira, não se controla. Porque, se abrir um precedente, aí é "perdido por um, perdido por mil". Então ela cria uma espécie de cordão sanitário, dizendo "isso aqui é sagrado, intocável; vou me punir pagando o juro do cartão, do cheque especial, mas não vou tocar nesse dinheiro". Mas é bom a pessoa saber que, para se proteger dela mesma dessa maneira, está pagando um preço alto.

O senhor classificaria de ?agiotagem para terceira idade? o crédito consignado para aposentados com desconto em folha?

Agiotagem é um pouco forte, mas essa é uma questão extremamente delicada, inclusive pela pressão de membros da família para que o indivíduo recorra a esse tipo de crédito. O que temos visto são avô e avó, na tentativa de agradar, comprando o carro para a neta, etc. Na hora em que você coloca um recurso desse tipo disponível na mão do idoso, a pressão para que ele o utilize de forma extravagante é muito séria. Pessoas que já têm dificuldade para comprar remédio antecipam renda e de repente vão ter que pagar juros.

E o discurso é de que aquele juro ali é bem camarada.

É porque o Brasil perdeu a sensibilidade para esses números. Depois de uma convivência forçada com a inflação nós ainda não readquirimos essa sensibilidade. Não temos uma percepção clara do que é pagar 2% ou 3% ao mês. É muito alto.

Arquivo do blog