Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 11, 2007

Alberto Tamer E a China diz não a Doha

Mais um abalo, e dos fortes, nas negociações sobre a liberalização do comércio mundial. Na semana passada, a China saiu do seu silêncio estratégico na Organização Mundial de Comércio (OMC)- disse que não abre o país para importações de produtos industriais e vetará qualquer acordo que venha a sair nas negociações de Doha.

Os chineses ficaram calados todos estes anos, desde que aderiram à OMC, em 2002. Um verdadeiro teste de paciência oriental, pois foram mais de 100 reuniões em que só ouviam e não falavam nada. Só se manifestaram quando os EUA e a Europa entraram com ações ou reclamaram contra a sua política comercial unilateral, que gera superávits crescentes, e a pirataria declarada que domina o país.

SEM CHINA, SEM DOHA

O que poderá acontecer se os chineses mantiverem essa linha? E vão manter, pois não têm nada a perder, já que o mundo continua sedento pelos seus produtos baratos e precisa continuar exportando quantidades enormes de produtos agrícolas para saciar a forme de 1,3 bilhão de habitantes.

Pode acontecer de não haver acordo de Doha nenhum, o que, de fato, pode surpreender só o Brasil, que continua se afastando de acordos bilaterais ou acertos isolados sobre alguns produtos, acreditando no sonho de Doha, que já dura seis anos, embalado por reuniões sucessivas em capitais exóticas.

QUEM PERDE

Os subsídios e o protecionismo continuarão se acirrando. Os mais prejudicados serão os países emergentes e em desenvolvimento, que, tendo um mercado interno limitado, dependem da exportação, principalmente de produtos agrícolas, para crescer. Entre eles, o Brasil, onde o setor primário continua sustentando as vendas externas e - por que não dizê-lo? - a economia nacional.

CHINA IMUNE

Pelas regras da OMC, todos os 151 países precisam dar sua aprovação para que haja um acordo, mesmo que esse veto, na prática, seja de difícil implementação. Mas o conceito de unanimidade é indiscutível. Geralmente, quando um país menor, por exemplo, Guatemala ou Benin, ameaça com veto, sofre pressões para que o retire, sob ameaça de suspensão de investimentos e redução unilateral do comércio. Sempre cede. E até mesmo países maiores, como o Brasil e a Argentina, teriam pouca condição de resistir pois são economias ainda em desenvolvimento que dependem do mercado externo.

CHINA DITA AS REGRAS

Mas isso não acontece com a China. Ela não precisa atrair investimentos, que tem até demais, a ponto de tornarem-se incômodos e inflacionários, ou forçar suas exportações, pois já conquistou mercados com os seus preços subsidiados.

A sua negação em alterar a taxa de câmbio, mesmo diante dos clamores e dos ataques dos EUA e da Europa, mostra que ela faz o que quer porque tem condições para isso da torre de seus US$ 1,4 trilhão de reservas, do crescimento de 11,3% e do afluxo constante de investimentos externos da ordem de US$ 70 trilhões por ano.

Para países como o Brasil, que já estão sentido de cheio a concorrência da invasão chinesa, a situação é ainda pior. Não há barreira comercial que adiante ou forma de competição que ajude com o nosso câmbio e nosso juro.

EUROPA ENDURECE

A União Européia já deixou clara a sua posição. Afirmou textualmente que não aceitará que "um dos maiores ganhadores da Rodada Doha (a China) ganhe um presente dos demais países" ou vete o acordo. "Curiosamente, isso acabaria beneficiando a China, pois implicaria o fracasso de Doha, exatamente como os chineses querem. E, de novo - por que não dizê-lo? - , os americanos e os europeus também."

EUA-EUROPA SE DESENTENDEM

Nesta semana, os dois blocos do Atlântico decidiram suspender negociações bilaterais para um acerto sobre reduções tarifárias. Informaram que os desacordos não foram superados e levarão a posições distintas à OMC. Mais uma vez, tudo sorri para a China e se fecha para nós.

OS BRICS, ORA, OS BRICS

A reação brasileira tem sido negar a realidade. Continuamos negociando sem saber bem o quê, e agora inventamos mais um acordo paralelo - não, não é o G-20, G-30, ou outro G qualquer, mas um entendimento, acreditem, entre os quatro países que constituem os Brics (Brasil, Índia, China e Rússia). Só que os Brics são uma ficção, uma metáfora inventada por algum economista brincalhão da Goldman Sachs num momento de ociosidade. Ele propôs "reunir" figuradamente os quatro países que mais crescem entre os emergentes. E todo mundo caiu nessa...

Só que esses países não têm nada em comum, como revela, agora, a posição da China.

A Rússia cresce por causa do seu petróleo e não tem absolutamente nenhum interesse comercial comum com os outros três, muito menos com o Brasil, exportador de commodities agrícolas.

A China... bem, a China está por cima, quer matérias-primas do Brasil, pode comprá-las,mas está comprando cada vez mais nos EUA. A China sabe muito bem que, com sua moeda desvalorizada e o seu preço às vezes irrisório, calculado em salários aviltantes, pode competir com êxito com qualquer país dos Brics, até mesmo no seu mercado interno.

Veja-se o Brasil, em que fábricas se transformam em montadoras de produtos.

PROTECIONISMO AUMENTA

E é neste momento em que Doha fracassa sob o impacto de divisões internas e em que a China diz que ninguém mexe com a sua indústria que nós vamos iniciar reuniões com os quatro que não têm nada a ver com isso...

Enquanto nossos diplomatas tagarelam animadamente em Genebra e outras capitais exóticas, mesmo com um aumento das exportações, que agora se acomodam, continuamos a perder espaço para outros países num mercado mundial cada vez mais competitivo e distorcido por protecionismo. Um protecionismo que só tende a aumentar, na medida em que as duas principais economias mundiais, a européia e a americana, mostram fortes sinais de desaceleração.

A seguir assim, seremos o que representa só 1%, o que chegou tarde, quando a festa já estava acabando.

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