O Estado de S. Paulo |
14/11/2007 |
Ao molde da andorinha que sozinha não dá conta do verão, uma pessoa só não muda uma situação. Óbvio, pois não? Mas tão desesperados estávamos com a indiferença do governo durante os 11 meses de caos no transporte aéreo até a tragédia com o Airbus da TAM em São Paulo que aceitamos de relativo bom grado a mistificação de que com veemência nas palavras e contundência nos gestos o então novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, seria capaz de dar um jeito nas coisas. Tão exacerbado foi o otimismo escorado na alegria de vermos finalmente alguém dando aos bois seus nomes verdadeiros, deixando de desprezar as agruras dos passageiros e conferindo ao problema uma dimensão correspondente ao sofrimento de milhares e prejuízos de milhões, que até uma candidatura presidencial se esboçou na ocasião. Mania brasileira (humana?) de se pôr serelepe ao mais pálido vislumbre de um salvador da pátria. O tempo, senhor absoluto da razão, tratou de arrumar as coisas em seus lugares. Como podemos constatar, o sistema aeroviário continua de uma ineficácia ímpar. Alteraram-se os culpados, não se fala mais de controladores de vôo, o movimento foi reduzido no Aeroporto de Congonhas, mas o caos só mudou de condição. Deixou de ser crítico e passou a ser crônico. Os atrasos nos vôos foram incorporados à rotina, adquiriram feição de normalidade, bem como passaram a fazer parte da agenda de viagens as longas esperas dentro das aeronaves. Ficamos assim combinados: no Brasil avião raramente sai no horário previsto, atraso de menos de uma hora é pontualidade, nem se avisa mais aos passageiros, e chuva, feriados, férias e festas são justificativas perfeitamente aceitáveis para os aeroportos virarem campos de tortura. Quando o ministro avisa com antecedência, então, aí mesmo é que o desrespeito assume ares de normalidade. Nelson Jobim segue falando sozinho. Solitário, diga-se, porque o presidente da República parece ter-se desobrigado da tarefa de tratar (ou falar, sob a ótica de Lula dá no mesmo) do assunto desde que passou a bola a Jobim. Este, pelo jeito, não ganhou o bilhete premiado que o levaria direto da solução da crise para a candidatura presidencial. Ficou, isso sim, com a inglória obrigação de tentar, quase diariamente, explicar o inexplicável de maneira incompreensível. Outro dia criou o conceito da fiscalização ineficaz: “A fiscalização existe, o que não existe é a eficácia da fiscalização.” Ontem, ao anunciar o já sabido - o aumento dos atrasos no feriadão -, Jobim de novo produziu o que tem sido sua especialidade, enunciar problemas sem lhes apontar uma solução, só encadeando premissas. Preste atenção ao trecho e tente extrair dele alguma informação: “Haverá problemas de acúmulos porque, observem, o fluxo dos nossos aeroportos, dos nossos terminais, não é bom. Ainda não conseguimos resolver o problema do fluxo e da concentração, mas a segurança está mantida e eu espero que, não havendo nenhum problema meteorológico, inclusive nós possamos ter um grau de regularidade razoável.” Num esforço colossal de interpretação de texto, é possível depreender que, se não chover, a esperança do ministro a quem se transferiu a responsabilidade de dar uma solução à crise é de que os aviões saiam mais ou menos no horário. Nada garantido, porém. Isso no tocante ao ritmo de pousos e decolagens. Quanto aos atropelos, filas, mau atendimento, falta de informação, não haverá como evitar porque, sabe como é, quando muita gente resolve viajar ao mesmo tempo há problemas de fluxo. Se as pessoas ficarem em casa o sistema agüenta bem. Mas, pela explicação do ministro, embora tudo seja uma grande confusão sem solução à vista antes de março (o que ocorrerá até lá, a não ser a redução do volume de passageiros indo e vindo das festas de fim de ano, das famílias em férias e do fim do carnaval?), a “segurança está mantida”. Infelizmente, ao contrário dos outros itens, este não há como conferir a não ser da pior forma. Quando Jobim fala, o faz de maneira a transmitir posse do controle da situação. Mas o que diz passa a sensação oposta. No máximo indica perfeito controle das palavras. Vamos a outro treco no qual ele explica o que é necessário para alcançarmos a normalidade: “Você precisa ter investimento na infra-estrutura, é um plano que estamos elaborando, principalmente no terminal de São Paulo. Quando há problemas no terminal de São Paulo, contamina os demais, tendo em vista inclusive o esgarçamento da malha aérea existente.” Entende? Adiante, outro plano: “Vamos completando essa situação e estabelecer um plano de eficácia da Anac no sentido básico do seguinte: qual o nosso problema? É que precisamos nos antecipar aos fatos e não sair correndo atrás dos fatos. Até agora o que tem sido feito é correr atrás dos fatos para tentar resolver.” E a quebra da BRA? “Problema ultrapassado”, no dizer do ministro, com a transferência dos vôos para a Ocean Air, onde de novo se correu atrás do fato.
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Entrevista:O Estado inteligente
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