Rolf Kuntz
Uns e outros têm interesse, portanto, em ver renovada a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira. Não querem saber se esse é um bom tributo ou se não passa de uma aberração. Querem dinheiro, agora e depois, e também estão prontos para pressionar os senadores.
A oposição não soube sequer pautar uma discussão relevante. Deixou-se envolver, por exemplo, no debate sobre o uso da CPMF. Esse debate não tinha sentido nem mesmo quando esse tributo foi criado. O governo o inventou, naquela ocasião, porque suas contas estavam em frangalhos. O ministro da Saúde podia estar interessado em um novo imposto para realizar seus planos, mas, para o pessoal da Fazenda, esse era apenas um bom pretexto - e isso foi confirmado pelos fatos.
Esse pretexto não existe mais, ou não deveria existir. É uma bobagem discutir se a CPMF é bem ou mal aplicada, se reforça os programas de saúde ou se financia despesas dispensáveis. Tem sentido, isto sim, cobrar o bom uso de toda a receita pública, e não desta ou daquela verba proveniente desta ou daquela fonte. É um debate ridículo, especialmente enquanto tramita a proposta do orçamento e os parlamentares se entregam, como sempre, ao festival de emendas paroquiais e fisiológicas. Discute-se a aplicação da CPMF, mas ao mesmo tempo se admite o desperdício de um monte de dinheiro tanto em projetos de quinta categoria quanto no custeio de uma administração ineficiente e pesada.
A CPMF pode ter sido aceitável como solução de emergência - e por isso foi classificada como provisória. Não há mais emergência. Os senadores do PSDB foram incapazes de explorar esse fato. Foram incapazes, também, de negociar uma solução intermediária - preservação do tributo por algum tempo, redução progressiva da alíquota e extinção no final de dois anos. Os senadores do PMDB negociaram a partir dos assuntos já explorados pelos tucanos. Conseguiram do ministro da Fazenda alguns compromissos: enviar ao Congresso um projeto de reforma tributária, propor uma redução da alíquota da CPMF, destinar verbas a programas de saúde e fixar limites para certos gastos.
Saiu barato para o governo. A CPMF continuará a existir e, se a economia avançar entre 4% e 5% nos próximos anos, a arrecadação será mais que suficiente para grandes farras fiscais, mesmo com a alíquota decrescente. Além disso, ninguém pode saber se o monstro não voltará a crescer, se o governo alegar dificuldades financeiras ou acenar com algum novo projeto. A proposta de reforma tributária já estava no forno e o governo federal havia prometido encaminhá-la ao Congresso. Não assumiu, portanto, um compromisso novo. Além disso, os governadores poderão massacrar facilmente a proposta. Quanto à limitação de gastos, quem vai cobrá-la no próximo ano ou nos seguintes? Alguém está empenhado, hoje, em cortar os gastos previstos no projeto de orçamento para 2008?
A proposta de isenção da CPMF para uma determinada faixa salarial é ridícula e só pode enganar quem não tem a mínima idéia de como funciona esse tributo. O trabalhador "isento" não deixará de pagar a contribuição embutida no preço dos bens e serviços comprados. Apenas ficará livre da incidência em sua conta bancária.
A própria idéia de negociar a perpetuação da CPMF é um equívoco. Esse tributo é uma aberração, porque o seu fato gerador não é a circulação, nem a renda, nem a propriedade, mas o mero ato de transferir dinheiro ou de pagar por uma transação econômica. Ao comprar um televisor, o contribuinte paga uma porção de tributos (o ICMS, por exemplo) pelo ato da compra e mais um pela mera realização do pagamento (a CPMF), como se o pagamento não fosse parte da transação. Nada pode tornar essa contribuição menos teratológica.