Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 15, 2007

CARLOS ALBERTO SARDENBERG -Socialistas nota 10

Por acaso a doutrina marxista é oficial e obrigatória no Brasil? Se não for, é preciso anular as provas feitas pelos alunos de serviço social no último Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, do Ministério da Educação).

Os testes não deixam outra possibilidade: se o universitário concorda com a idéia de que a história e a sociedade se movem, e se explicam, pelo conflito de classes entre capital e trabalho, então deve ter tirado nota dez.

Se, ao contrário, o universitário pensa que a liberdade individual, o mercado livre e o direito de propriedade constituem os melhores fundamentos das relações sociais e econômicas — esse aluno errou a maior parte das questões.

Se pensa isso e foi esperto, não errou, pois as questões são construídas de tal modo que a “resposta socialista” surge como obviamente correta e a outra, “neoliberal”, parece uma estupidez ou uma ingenuidade.

A questão 25, por exemplo, pede ao aluno que se posicione em relação aos métodos nas ciências históricas e oferece alternativas: “O estudo da realidade social exige a mesma neutralidade requerida ao físico, ao químico e ao biólogo.” Ou ainda, “Os fenômenos sociais devem ser considerados da mesma forma que os fenômenos da natureza”.

Ora, qualquer idiota sabe a diferença entre choque de gerações e choque de elétrons. Qualquer um sabe que não se pode estudar o comportamento dos consumidores diante da alta de preços como se fosse o comportamento do macaco diante de uma banana num cacho mais alto.

Mas por acaso não é verdade que as modernas ciências humanas (incluindo a economia) conseguem chegar a boas aproximações da realidade, tão objetivas quanto possível, com o recurso a estatísticas e fórmulas matemáticas, organizando informações históricas? Não existe nada parecido com isso na prova do MEC. A resposta certa, pelo gabarito oficial, diz: “A visão de mundo das classes sociais condiciona a produção acadêmica das ciências sociais.” Ou seja, existe a ciência da esquerda e a da direita, o que, aliás, facilita as coisas. Se a tese vem da direita, nem é preciso examinar, pois, afinal, é de direita.

Trato aqui da prova para os universitários de serviço social pois foi aquela que pude ler na íntegra. Mas as dez questões iniciais, de “formação geral”, válida para todos os cursos, apresentam o mesmo viés.

A questão 10, por exemplo, pede uma breve dissertação sobre o papel desempenhado pela mídia nas sociedades democráticas, a partir de três enunciados. Dois deles, um dos quais é uma entrevista de Noam Chomsky, sustentam que a mídia (assim, no geral) é um instrumento das classes dominantes, do capital, para manter a exploração e bloquear, de modo sutil e subliminar, a circulação de “idéias alternativas e contestadoras”.

O outro enunciado é maroto. Procura elaborar uma caricatura bonitinha.

Diz assim: “A mídia vem cumprindo seu papel de guardiã da ética, protetora do decoro e do estado de direito. Assim, os órgãos midiáticos vêm prestando um grande serviço às sociedades, com neutralidade ideológica, com fidelidade à verdade factual, com espírito crítico e com fiscalização do poder onde quer que ele se manifeste.” Nesse quadro, se o aluno entendesse que, nos regimes democráticos, há jornais, revistas, rádios e TVs que procuram relatar os fatos da maneira mais objetiva possível; que a imprensa não partidária e não religiosa é induzida a isso pela concorrência e pela competição no livre mercado; que há, sim, imprensa comprometida com a democracia, com a liberdade de opinião e com a vigilância dos governos, sendo isso testado pelo seu público — o melhor a fazer seria evitar essa argumentação, pois o contexto da questão indicava que seria considerada falsa.

Para o Enade, ou a mídia é de uma santidade exemplar, impoluta e infalível; ou não existe a menor liberdade de imprensa e de opinião e a mídia dita democrática é sempre um truque para calar os trabalhadores e suas lideranças.

Ou seja, é golpista a mídia que mostra mensalões e aloprados e critica posições do governo Lula. Que o PT diga isso, tudo bem, é parte da democracia.

Que o MEC coloque isso como resposta correta no Enade, é lavagem cerebral. E deve ser ilega

Arquivo do blog