Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 11, 2007

Mailson da Nóbrega A dificuldade de entender novas realidades

Mudanças estruturais como as experimentadas pelo Brasil costumam levar muito tempo para ser assimiladas, particularmente pelos que mais sofrem os seus impactos. Uma prova é o debate sobre a valorização cambial.

Muitos parecem ter em mente o antigo regime de câmbio fixo, em que o governo estabelecia a taxa cambial. Ou a economia fechada, na qual a competitividade dependia mais de desvalorizações da moeda e de subsídios do que de eficiência.

A valorização cambial decorre de vários fatores, entre os quais (1) o superávit estrutural no comércio exterior; (2) a solidez dos fundamentos econômicos, que melhoraram a percepção de risco do País; (3) a forte liquidez internacional; (4) a confiança na estabilidade e no potencial da economia, que atrai investimentos estrangeiros diretos e para o mercado de capitais; (5) a isenção do Imposto de Renda na aquisição de títulos públicos federais por estrangeiros; (6) a desvalorização da moeda americana; (7) o diferencial entre as taxas de juros interna e externa.

A essa realidade se associa a antecipação, pelos mercados, dos efeitos da provável obtenção do grau de investimento, que se espera para 2008. A conseqüente elevação do fluxo de dólares para nossa economia é a colheita dos frutos do amadurecimento institucional, das pesquisas da Embrapa (que elevaram a competitividade do agronegócio), da estabilidade macroeconômica e dos bons ventos na economia mundial.

A valorização cambial é a conseqüência natural desse processo. Mesmo que quisesse evitá-la, o governo não poderia, sem causar efeitos indesejáveis como uma inflação maior. Erra quem a atribui ao diferencial dos juros, pois sua queda sistemática nos últimos dois anos não arrefeceu a valorização nem o fluxo, que de US$ 30,6 bilhões em 2006 saltou para US$ 76,7 bilhões de janeiro a setembro de 2007. Deve passar de US$ 80 bilhões no ano.

O novo vilão é a isenção do IR, cuja revogação se reivindica. Não há dados sobre o respectivo fluxo, mas a participação dos estrangeiros no estoque de títulos federais passou de 0,74% no início de 2006 para 4,52% em agosto último. A revogação mostraria um país sem regras estáveis e desconheceria os benefícios da isenção.

A isenção eliminou a bitributação dos rendimentos (aqui e no país de domicílio do investidor). O Brasil foi um dos últimos mercados emergentes a adotar a prática. Ela contribuiu para que o Tesouro passasse a vender papéis de 40 anos e a lançar títulos de 20 anos em reais no exterior. Várias empresas brasileiras venderam lá fora papéis em reais. O Brasil se livrou do "pecado capital" (não poder vender títulos no exterior em sua própria moeda).

De lambujem, criamos novos incentivos para a condução de políticas econômicas responsáveis. Caiu nossa vulnerabilidade a choques externos, que nos impunham grandes sacrifícios. Nada sofremos com a crise internacional recente e estamos mais bem preparados para suas eventuais conseqüências.

A valorização cambial penaliza exportadores, mas a saída não pode ser o retorno ao passado, que gerou sérios efeitos colaterais. É preciso pensar em soluções duradouras como a da melhoria da infra-estrutura e do sistema tributário.

A dificuldade de entender as novas realidades se estende à de perceber as respectivas mudanças dinâmicas em uma economia não-fechada. Por exemplo, diz-se que a redução do superávit comercial prejudicará o crescimento do PIB, sem considerar o efeito do aumento do consumo doméstico.

A queda "ousada" dos juros por certo depreciará o câmbio, mas pode aumentar a inflação. A taxa de câmbio real, a relevante para o exportador, ficaria inalterada ou se valorizaria. A alta dos preços corroeria a renda dos trabalhadores, diminuiria a confiança dos consumidores e reduziria o consumo doméstico.

Não será surpresa se houver quem torça para que não ganhemos o grau de investimento, na equivocada suposição de que haverá uma enchente de dólares. Na verdade, os mercados estão antecipando o evento. O fluxo já aconteceu. A nova classificação gerará efeitos positivos de longo prazo, não uma inundação de dólares no curto prazo.

Espera-se que o debate e o estudo desses temas permitam melhorar a percepção de certos fenômenos econômicos e inibir a adoção de medidas aparentemente sábias, mas na verdade inconseqüentes.

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