Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 06, 2007

Um clima de ameaça no ar Reinaldo Azevedo

Estamos diante de um imbróglio danado. Muito cuidado nesta hora. Não, eu não gostei da reação de Lula à notícia de que Genival Inácio da Silva, seu irmão, foi indiciado pela Polícia Federal. Mas gostei do indiciamento. Se vai dar em alguma coisa, não sei. Acho que os órgãos de investigação do estado deviam algo parecido desde, ao menos, outubro de 2005, quando a VEJA fez duas reportagens sobre a desenvoltura com que Vavá se movia, vá lá, no território do irmão. Também é bem provável que muitas das pessoas que tiveram a prisão preventiva decretada devam mesmo explicações. Mais: não é só o irmão de Lula, não. Dario Morelli, que estava trabalhando na Prefeitura de Diadema, cujo titular, José de Fillipi Jr., foi caixa de campanha de Lula, é da cozinha da família presidencial. A exemplo de Freud Godoy, era o faz-tudo das horas difíceis dos Lula da Silva. É compadre do Babalorixá. Eu insisto: nunca antes um homem tão impoluto foi tão mal cercado. Lula quase me leva às lágrimas com essa má sorte... Até aqui, parece tudo bem. O resto está coberto por espessas camadas de névoa.

Há dúvidas sobre quando Lula ou mesmo o chefe funcional da PF, Tarso Genro, ficaram sabendo do que interessava: havia um irmão do presidente entre os alvos da PF. Falei com um monte de gente. A minha conclusão é a de que o ministro da Justiça não sabia de coisa nenhuma — a Polícia Federal está fora do controle (já elenco os motivos), e isso não é nada bom. Ela é uma polícia do Estado; passou a ser, num determinado momento, uma polícia do governo; depois, uma parte começou a servir a um partido. Até chegar à fase da balcanização, esta de agora. A metáfora é boa: nos Bálcãs, se vocês se lembram bem, não havia inocentes, só culpados; ou o contrário: não havia culpados, só inocentes. O fato é que a população se tornou vítima de senhores da guerra. Já volto à PF. Vamos falar de Lula.

O que ele disse? “Eu penso que a Polícia Federal está cumprindo um papel extraordinário no Brasil. E eu disse outro dia que a Polícia Federal vai continuar investigando todas as pessoas que tiveram uma determinação judicial em função de quebra de sigilo telefônico. Aqueles que são inocentes vão ser inocentes; aqueles que forem culpados vão ser punidos. A única coisa que precisamos garantir é que haja justiça efetivamente, que haja seriedade e que haja apuração. Então, o que eu posso pedir? Para as pessoas andarem corretamente. Quem andar corretamente não tem chance de ser investigado. Quem pisar na bola vai ser investigado”.

Acacianismo à parte, há o tom que fica ali entre o pai, o bedel e o chefe de estado. Quem não andar corretamente será punido como foi Delúbio Soares? Quem não andar corretamente será punido como foi Waldomiro Diniz? Quem não andar corretamente será punido como foi Silvio Pereira? Quem não andar corretamente será punido como foi Marcos Valério? Osvaldo Bargas? Jorge Lorenzetti? Que criminoso, da corriola que cometeu crimes ligados à política, foi parar na cadeia até agora em razão da ação da PF? Incompetência da Polícia? Provavelmente, não.

Mais: a falta de lógica da fala de Lula — para variar — passa despercebida só aos desapaercebidos. Leiam lá. Ele diz que o inocente será inocentado (huuummm...); o culpado, punido (sei...), e emenda: quem andar corretamente não será investigado. Logo, se for investigado, é porque não andou corretamente, o que significa que a investigação já corresponde a uma condenação — menos, é claro, para seu irmão, que, embora investigado (e, portanto, culpado segundo a sua lógica), é, no entanto, inocente!!! Entenderam? A afirmação de que é preciso andar direito para não ser investigado (cabendo já aos investigados a presunção de culpa) é coisa de estado policial.

Quando estourou a Operação Navalha, apontei aqui uma Polícia Federal dividida em grupos, quase em partidos internos, lembram-se? Há uma que se rebela e manda recados; há uma que faz rigorosamente aquilo que o governo quer e está a serviço de um projeto de poder, e há, sim, um núcleo técnico, que não quer uma PF nem fragmentada nem como serviçal. O que é mais seguro para o cidadão comum? Ter uma polícia dividida ou ter uma polícia a serviço de um partido. Nem uma coisa nem outra. O melhor é ter uma polícia a serviço do estado democrático — isto é, da lei.

A PF acumula insatisfações salariais, uma herança de Márcio Thomaz Bastos. Há dias, recebeu os 30% de reajuste, mas divididos em parcelas e não para toda a instituição — razão por que acontece a sexta greve do ano. A sucessão de Paulo Lacerda, diretor-geral, extremou essa guerra. A solução ao gosto dos petistas era Zulmar Pimentel, o segundo da instituição. E tudo estava a indicar que seria ele mesmo, até ser afastado do cargo pela Justiça. O grupo dos técnicos e aqueles insatisfeitos com as chamadas “condições de trabalho” não queriam vê-lo no topo. Entendam: ele até pode saber por que foi alvejado em pleno vôo, o que não nos exime de apontar que se transformou num alvo por causa da guerra interna.

Essa polícia fragmentada, que manda recados até mesmo ao Planalto, roçando no irmão e no compadre do presidente da República, está longe de ser uma boa notícia. Especialmente quando, em meio ao constrangimento, exaltam-se os valores republicanos da PF — como se ela pudesse ser outra coisa — e praticamente se declara que, se o irmão do presidente vai pra linha de tiro, qualquer um pode ir. O que me pergunto é que tipo de ocorrência vai compensar a derrota de um dos lados; que tipo de evento vai aplacar a sede do “outro lado”, do outro grupo. Há um climão de Os Bons Companheiros, o filme de Scorsese, no ar. Está todo mundo com a mão no gatilho.

E um governo, qualquer governo, tem inimigos. E, pior do que isso, tem “amigos” sempre dispostos a prestar bons serviços. Reitero: as notícias que chegam da e sobre a PF não são nada animadoras. Lula aparentou frieza. Mas está furioso.

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