A expansão da Europa prova que ela constrói um presente em sintonia com o sentido de unificação da história humana |
De início confinada às margens do Atlântico norte e ao Mediterrâneo francês e italiano, a união se espalhou tal mancha de tinta em mata-borrão, alcançando o mar do Norte, o Mediterrâneo que banha a Espanha e a Grécia, o Báltico e, uma semana atrás, o mar Negro. Com o ingresso da Romênia e da Bulgária, são 27 países, quase 500 milhões de latinos, germânicos, eslavos, protestantes, ortodoxos, católicos.
É fenômeno sem paralelo na história, incomparavelmente maior na escala e diversidade do que as unificações alemã e italiana nos fins do século 19 ou das 13 colônias formadoras dos Estados Unidos, no século 18. Nem o Império Romano nem o de Carlos Magno, cuja restauração embalava os sonhos de Dante e seus contemporâneos, chegaram perto.
As unificações imperais do passado eram fruto de conquista armada, durando apenas enquanto durava a força. O inédito da unificação atual é que ela se faz pela livre vontade dos povos. Aliás, são numerosos os que desejam entrar e têm de esperar na porta: Turquia, Albânia, a meia dúzia de nações oriundas da dissolução da Iugoslávia, Moldova, Ucrânia, Geórgia. Faltam só a Suíça e a Noruega para que o mapa inteiro do continente se tinja do azul dos que já aderiram ou querem aderir à bandeira estrelada de Bruxelas.
O que explica essa ânsia de unidade? Acima de tudo, a decisão de sepultar os nacionalismos culpados das duas guerras mundiais, dos genocídios e campos de extermínio, do conflito ideológico da Guerra Fria. Quando a Primeira Guerra Mundial liquidou o Império dos Habsburgos, Churchill escreveu que o vácuo assim criado no coração da Europa seria logo ocupado pelos poderes alemão e russo, o que de fato aconteceu. Derrotado o nazismo, destruídos o Muro de Berlim e o comunismo soviético, todo esse espaço se integra em algo muito maior do que jamais sonharam os Habsburgos, cuja moeda trazia inscrições em uma dúzia de línguas.
É como se Atenas, Esparta, Tebas tivessem, após a Guerra do Peloponeso, decidido estabelecer a unidade da Grécia, a fim de evitar o desaparecimento de sua civilização nos conflitos entre os próprios gregos.
Herdeira da cultura greco-romana, à qual o cristianismo adicionou a herança da espiritualidade judaica, a Europa parece ter encontrado a fórmula de evitar, mediante a unificação, que se repita a tragédia da autodestruição helênica.
A melhor esperança de que o nosso futuro não seja determinado pela arrogância e perigosa imaturidade do poder americano, por uma potência material chinesa indiferente aos valores da liberdade ou pela violência suicida dos fanatismos religiosos se encontra justamente no Humanismo, síntese da herança judaico-greco-romana que a Europa criou com os aportes do seu Renascimento, da sua Reforma e do seu Iluminismo.
O equilíbrio entre as esferas do social, do econômico, do cultural, marca humanista que caracteriza a integração européia, evidencia-se na comparação com a abordagem americana, exclusivamente comercial e privatista, sem mecanismos financeiros corretivos das desigualdades no ponto de partida. Cada vez mais desunidas e desiguais, as três Américas oferecem triste contraste com uma Europa cuja atratividade se fortalece na sua crescente unidade e gradual convergência de renda per capita entre novos e antigos membros (a Espanha já chegou ao índice 98 em relação à média européia de 100, e a Irlanda, o maior êxito, está com mais de 130).
Estamos tão acostumados à continuidade da construção européia que valorizamos mais os acidentes de percurso dos referendos sobre a Constituição na França e na Holanda do que realizações notáveis como a substituição do franco, do marco e da lira pelo euro ou a abolição das fronteiras. A expansão da "velha Europa" até a foz do Danúbio prova que, tendo dominado os fantasmas do passado, ela, mais que outros, constrói um presente em sintonia com o sentido de unificação da história humana.