Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 01, 2007

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Argentina vitoriosa



A Argentina mostra que só uma estratégia nacional de competição internacional assegura o desenvolvimento

A RETOMADA do desenvolvimento econômico pela Argentina afinal deixou de ser tema proibido. A "Economist" publicou em seu último número um artigo reconhecendo o êxito da sua política econômica. Como acontece com outras idéias, admitir o sucesso da Argentina estava proibido pelo pensamento hegemônico, pela ortodoxia convencional. Quando, há mais de um ano, afirmei que a política econômica do governo Kirchner estava correta, que a Argentina aprendera com seus erros, diziam-me que moderasse minhas opiniões.
Quando enviei um artigo para o "Monde" no qual afirmei que a Argentina era a esperança da América Latina, ele foi recusado: conforme me disse um de seus jornalistas, o "populismo" do governo Kirchner era inaceitável. No Brasil, muitos compartilhavam a mesma posição. Agora, quando uma revista como a "Economist", sempre muito competente, mas que reflete o pensamento hegemônico, afirma que se tornou "difícil duvidar dos argumentos" daqueles que afirmam que o crescimento argentino tornou-se sustentado, fica claro que os fatos foram mais fortes do que a ideologia.
Depois do grande desastre de 2001, quando a economia argentina encolheu 15%, a pobreza cresceu de 36% para 56% da população e o desemprego alcançou 21%, poucos esperavam o que ocorreu em seguida: nos últimos quatro anos, o PIB argentino cresceu 45% -a uma média de 8,6% ao ano, e o desemprego caiu para 10,2%. Não se trata, portanto, de mera recuperação da crise, como se pretendeu, já que a produção já superou de muito o nível anterior.
Informa a revista que muitos economistas, que antes só conclamavam mais reformas neoliberais, estão mudando de opinião, porque "em parte algumas políticas são menos "heterodoxas" do que se costuma dizer". Essa afirmação não faz sentido: toda ortodoxia é inaceitável, como também o é toda heterodoxia que assume caráter ortodoxo. A Argentina foi levada ao desastre porque Menem aceitou a ortodoxia convencional vinda de Washington e Nova York. Está tendo êxito agora porque soube romper com essa ortodoxia e fazer uma política econômica correta.
Em primeiro lugar, está mantendo o Orçamento com um superávit fiscal de 1% do PIB. Segundo, está mantendo a taxa de câmbio competitiva, apesar da pressão do FMI para apreciar o peso e assim combater a inflação. Terceiro, para alcançar esses resultados fiscal e cambial, impôs impostos sobre a exportação de carne, trigo e soja -produtos que são causa de doença holandesa porque apreciam o câmbio e inviabilizam o restante da economia. Tudo isso não é ortodoxia convencional, mas boa política econômica. Os impostos mantiveram a agropecuária argentina altamente lucrativa: apenas impediram que o câmbio se apreciasse e causasse prejuízo para a própria agropecuária e inviabilizasse a produção de bens com maior conteúdo tecnológico e valor adicionado per capita.
A ortodoxia convencional não é desastrosa apenas porque aplica fórmulas rígidas, ortodoxas, em vez de avaliar cada problema; também o é porque expressa os interesses dos países ricos, que temem a concorrência dos países de renda média. Quando um país a rejeita, e adota políticas econômicas que atendam ao interesse nacional, o desenvolvimento econômico sobrevém.
Segundo o mantra da ortodoxia convencional, sem reformas institucionais que garantam a propriedade e os contratos, não é possível o crescimento econômico. Na reportagem da "Economist", a melhor frase é a de um consultor. O que atrai os empresários não é isso:
"Mas o fundamental, mesmo, são os lucros". O fundamental para os empresários são boas expectativas de lucro, que só uma instituição como é uma estratégia nacional de desenvolvimento pode assegurar.
E isso existe hoje na Argentina. Depois de renunciarem ao conceito de nação nos anos 1990 e aceitarem todas as receitas vindas do Norte, os argentinos aprenderam com a crise; são novamente uma nação; são a esperança da América Latina porque estão mostrando que só uma estratégia nacional de competição internacional assegura o desenvolvimento.

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