Milícias clandestinas, formadas por policiais e bombeiros, dominam favelas e morros do Rio |
Usando de prepotência e terror, cooptando jovens para o tráfico, impôs seu domínio e transformou aqueles lugares em verdadeiros santuários do crime. Mas, de algum tempo para cá, policiais moradores dessas comunidades também se organizaram e, por conta própria, passaram a combater os traficantes e expulsá-los, tornando-se, desse modo, detentores de um poder ilegal.
Apesar de cobrarem da população "taxas de segurança", contam, em geral, com o apoio dela, que, sem alternativa, os prefere aos bandidos drogados. Hoje, milícias clandestinas, integradas por policiais da ativa e aposentados, além de bombeiros e agentes penitenciários, dominam 92 favelas e morros do Rio.
Esse assunto está na mídia e, por isso, me lembrei da conversa que tive com um jovem morador da Baixada Fluminense, num boteco, cinco anos atrás. "Onde eu moro não tem bandido", garantiu-me ele.
- Como não tem bandido?
Sorriu e, voz baixa, confidenciou:
- Bandido que aparece lá ou se manda, ou morre, amizade.
E, então, decidiu me contar tudo. A coisa começou quando um tio dele, então delegado de polícia, prendeu o chefe do tráfico dali. Um ano depois, o bandido estava em liberdade e matou um filho dele, por vingança. O policial, então, refletiu: "Se eu prender esse bandido de novo, ele em breve estará solto pela Justiça e, dessa vez, quem vai morrer sou eu. Vou acabar com ele antes". Juntou alguns policiais de sua confiança e saiu à caça do bandido até encontrá-lo e liquidá-lo. E isso se tornou uma norma. Mais tarde, denunciado, resolveu aposentar-se, mas não parou de perseguir os bandidos da região, com apoio de comerciantes locais. Essa deve ter sido uma das primeiras milícias surgidas no Rio, para dar combate aos traficantes e expulsá-los das comunidades pobres, tornando-se, de fato, um novo problema para a segurança pública.
- Como a polícia é corrupta e a lei, complacente, o jeito foi tomarmos o pião na unha, disse o rapaz, lembrando o relato de seu tio.
E o jovem prosseguiu:
- Lá onde eu moro, quando pinta um bandido, a milícia é informada. Durante as festas de fim de ano, aumentam os assaltos no Rio todo, mas não lá. Logo aparece, colado nas paredes das lojas e dos bares, um aviso ao bandido que for visto na cidade. "Fulano, tem 24 horas para dar no pé. Ou se arranca ou morre."
- E a população, o que pensa?
- O que você acha? Tem gente agora que dorme de janela aberta, cara. Ninguém se atreve a roubar, assaltar, nada disso. As crianças brincam na rua sem medo.
- Mas a milícia achaca os moradores, não?
- Os comerciantes contribuem e quem pode ajudar ajuda.
- De qualquer modo, eles agem à margem da lei. Não se pode matar um cidadão, ainda que criminoso.
- Só morrem os que se atrevem a enfrentar a milícia. Mas quase ninguém se atreve, prefere cair fora, ir traficar e roubar onde é permitido.
- Mesmo assim, essa ação da milícia é também ilegal. Sem falar que não existe pena de morte no país.
- Claro, mas sabe o que eles dizem? Que a lei favorece ao bandido, e a polícia se alia ao traficante para tirar vantagem.
- Isso é verdade. Até oficiais, gente da cúpula da PM, em vez de combater o tráfico, toma dinheiro dele.
- Aquele bandido que meu tio prendeu e depois matou o filho dele foi solto pela Justiça. Os menores de idade roubam e matam confiando na lei. Elias Maluco estava preso, esperando julgamento, mas foi solto porque o prazo legal estourou. Meses depois, ele matava o jornalista Tim Lopes, esquartejava e assava os pedaços dele no "microondas". O policial honesto que mora na favela está mais ameaçado que o cidadão comum. Ele sai de casa à paisana, com a farda dentro de uma bolsa para ninguém saber que é da polícia. Nem a farda pode ser estendida no varal de roupas. Ou ele adere ao crime e morre, ou adere à milícia.
- Isso tudo é verdade, mas quem age à margem da lei, seja por que razão for, comete crime. E a milícia tanto pode matar o bandido quanto qualquer outra pessoa. Seu poder é discricionário. É para evitar isso que existe a Justiça.
- Existe no papel. A milícia nasceu porque o Estado não dá segurança ao cidadão e a Justiça é complacente. Qual a saída? Devolver a comunidade aos traficantes?
-Claro que não. Se, em Nova York e Medellín, o problema foi resolvido dentro da lei, é possível fazê-lo aqui.