Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA:O perfeito idiota paquistanês

Em nome do antiamericanismo, Tariq Ali abre
mão até da democracia e dos direitos humanos


Jerônimo Teixeira

No mercado internacional de idéias, o antiamericanismo vende bem. Não requer originalidade nem brilho – apenas uma cantilena contra George W. Bush e o imperialismo. Há intelectuais que ganham a vida explorando esse filão. O mais notório é o americano Noam Chomsky, mas o paquistanês Tariq Ali (que presta verdadeira idolatria a Chomsky) vem logo atrás. Não importa qual seja a posição defendida pelos Estados Unidos no plano internacional, Ali, de 62 anos, estará no campo oposto. O espantoso é que, para manter a linha reta e burra da rejeição ao "império", o autor sacrifica qualquer bandeira – até a democracia e os direitos humanos. Ali já inventou desculpas para o genocida sérvio Slobodan Milosevic e dá ao terrorismo que explode mesquitas e mata inocentes no Iraque o heróico título de "resistência". Ele apóia os caudilhos Fidel Castro e Hugo Chávez, num arremedo paquistanês do "perfeito idiota latino-americano". Arroz-de-festa de eventos de esquerda como o Fórum Social Mundial, Ali visita o Brasil nesta semana. Está lançando dois livros: Um Sultão em Palermo (Record), quarto e medíocre romance de um planejado quinteto sobre a história islâmica, e A Nova Face do Império (Ediouro), coletânea de discursos e entrevistas. Na sexta-feira, ele participa da Festa Literária Internacional de Parati falando sobre "literatura e política". Ganhará um periquito venezuelano quem adivinhar o tom de sua palestra.

Nascido em Lahore, no Paquistão, Ali – como ele mesmo relata no livro Confronto de Fundamentalismos – vem de uma família rica e cheia de conexões políticas. Seus pais, porém, eram comunistas. No início dos anos 60, sua militância estudantil chamou a atenção das autoridades. Um tio seu, chefe do serviço de inteligência paquistanês, aconselhou Tariquinho a buscar o exílio antes que o regime o prendesse. Em vez de lapidar seu esquerdismo num país pobre, o destemido agitador fugiu para a Universidade de Oxford, na Inglaterra. A vocação para o radicalismo chique seria recompensada em jantares com Marlon Brando e entrevista com John Lennon. Uma vez estabelecido confortavelmente em Londres, Ali nunca voltou a morar em seu país natal. Hoje ele vive no bairro artístico de Hampstead, onde recebe os amigos se dedicando ao hobby de cozinhar pratos paquistaneses.

A principal tribuna de Ali é a revista de esquerda New Left Review, atualmente dirigida por sua mulher, Susan Watkins. O próprio Ali comandou a publicação nos anos 90, depois de uma mudança qualificada como "golpe capitalista" por alguns colaboradores veteranos que se viram forçados a sair da revista. No tal golpe, o intelectual marxista Perry Anderson fez valer seus direitos de acionista e deu fim a uma tradição de gestão colegiada da revista ao indicar novos chefes. "Tariq Ali foi o instrumento de Anderson nesse processo", diz Christopher Bertram, professor de filosofia da Universidade de Bristol, que esteve entre os expurgados. Sob nova direção, a revista alterou sua linha em algumas áreas sensíveis. Ignorando as catástrofes humanitárias das guerras da Bósnia e do Kosovo, opôs-se à intervenção da Otan nesses conflitos – e até recusou o texto de um colaborador que foi ver a guerra de perto (e Ali gosta de acusar a "autocensura" da imprensa americana). Depois da Guerra do Iraque, os artigos de Ali e Susan na NLR passaram a defender uma certa "resistência" contra a "recolonização" anglo-americana. Como a insurgência ativa no Iraque está na mão de terroristas da Al Qaeda e de remanescentes do Partido Baath, de Saddam Hussein, pode-se supor que esses são os heróis do casal. "O que Ali chama de 'resistência iraquiana' é um dos movimentos mais reacionários do mundo", diz Bertram.

Ora, reacionarismo não é problema – desde que o reacionário em questão esteja, claro, contra os Estados Unidos. Em artigo recente na NLR, Ali elogia o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad – e defende o direito do Irã de ter armas nucleares. O farol da civilização, porém, não é o Irã – é a Venezuela, pátria da gloriosa Revolução Bolivariana. Ali, que faz parte do conselho de assessores da teleSUR, a rede de televisão oficial da Venezuela, lamenta que o mundo islâmico não conte com um líder popular da fina estirpe de Hugo Chávez. A pobreza na Venezuela está crescendo, e o governo ameaça cassar concessões de TV dos opositores – mas Ali diz que a vibrante democracia venezuelana é o paraíso dos excluídos.

Com uso muito liberal de fontes e números, Ali é um Michael Moore (o cineasta de Fahrenheit 11 de Setembro) com um grau a mais de conhecimento histórico e alguns graus a menos de humor. A irracionalidade hidrofóbica com que o escritor paquistanês investe contra o Grande Satã americano contamina até seus romances históricos. A ação de Um Sultão em Palermo transcorre no século XII, muito antes de um país chamado Estados Unidos entrar em cena. Mesmo ali, há um chamado à resistência antiimperialista: Bagdá é referida como "a cidade que nunca cairá". Pois é. Caiu.

Sempre do lado errado

O intelectual paquistanês Tariq Ali é um consagrado campeão das piores causas internacionais

BÓSNIA

Srdjan Ilic/AP

Contrário à intervenção da Otan na Guerra da Bósnia, Ali diz que o líder sérvio Slobodan Milosevic foi demonizado pela imprensa ocidental – e que o que houve nos Bálcãs não foi genocídio, mas uma "desagradável guerra civil"

 

IRAQUE

Sami Aburiya/AP

Ali pede solidariedade à "resistência" iraquiana contra a "colonização" americana – e omite o fato incômodo de que os tais insurgentes são terroristas e antigos membros da ditadura de Saddam Hussein

 

VENEZUELA

Fernando Llano/AP

Amigão de Hugo Chávez, Ali diz que a Venezuela é o país mais democrático da América Latina – e comete o desplante de comparar a política de empobrecimento de Chávez ao New Deal do presidente americano Franklin Roosevelt

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