Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 09, 2006

A política da insegurança Editorial O Estado de S. Paulo


9/8/2006

Com inimigos assim, o PCC não precisa de amigos. A cada surto terrorista do partido da criminalidade, mais funda é a sensação de desamparo dos paulistas. Aturdida e amedrontada, a população tem diante dos olhos o pior dos dois mundos - de um lado, o poder do banditismo, organizado, competente e incólume; de outro, os poderes públicos estadual e federal batendo cabeça, ambos se configurando claramente como a antítese dos empreendedores da delinqüência em matéria de visão estratégica, disciplina tática e unidade na ação. As escaramuças entre o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o secretário de Segurança Pública do Estado, Saulo Abreu, são de tirar o sono do mais incauto dos cidadãos, tão evidente é o jogo de cartas marcadas de que os dois participam, tão assustadora a futilidade desse duelo deplorável - enquanto se pode imaginar, ao fundo, o riso de escárnio do capo Marcola.

Em São Paulo, o governador Cláudio Lembo e o chefe das polícias não se entendem sobre a conveniência de trazer o Exército para a refrega. O primeiro é contra. “Se entrar nessa luta, não será bom para ele, como já ocorreu no Rio”, argumenta. Além disso, segundo ele “não tem necessidade; deixem a Polícia Militar e a Polícia Civil agindo”. Ele está certo em relação ao primeiro ponto. Mas não é o que parece em relação ao segundo. Já o secretário pede publicamente a entrada da Infantaria para ocupar territórios cativos do narcotráfico e assumir a guarda de presídios. Mas ele já não se contenta com os 2 mil homens que lhe haviam sido oferecidos pelo titular da Justiça. Quer 4.500 - por que não 5 mil de uma vez, seria o caso de perguntar se a situação se prestasse a ironias. E um e outro se digladiam a respeito alheios ao principal: as estritas condições estabelecidas em lei para o engajamento da tropa federal nessas circunstâncias e para essas finalidades.

Mesmo quando tem razão - em face dos impalpáveis R$ 100 milhões em verbas federais para aliviar o superlotado sistema carcerário paulista, com os seus 144 mil presos -, o secretário se entrega a um palavreado tosco que serve apenas para fazer barulho inversamente proporcional aos efeitos produzidos. “Tá desafiado: cargo por cargo”, exibiu-se para a arquibancada, prometendo deixar a função se o dinheiro chegar antes do fim do ano e peitando o ministro a fazer o mesmo se não chegar. No fim do ano, em qualquer hipótese, os dois estarão arrumando as gavetas. Quem agiu com a devida objetividade diante da questão que está na origem do PCC foi o secretário da Administração Penitenciária, Antonio Ferreira Pinto. Ele demonstrou por a + b ser falaciosa a versão propagada por Thomaz Bastos de que “eles (o governo paulista) não apresentam os projetos, e não posso jogar dinheiro pela janela”.

Na realidade, o que o Planalto faz é criar um novo obstáculo assim que o anterior é vencido. “Quando você apresenta a solução para o problema”, acusa Ferreira Pinto, “eles criam novo embaraço.” Nada de novo sob o sol. Quem acompanhou a novela do aporte dos fundos federais para destravar as obras do Rodoanel sabe que é rigorosamente disso que se trata. A velha técnica se aplica a uma infinidade de situações. Mas isso não é o bastante para embaraçar o ministro, cuja principal ocupação, como se sabe, consiste em tirar o presidente e outros pezzinovante do governo de enrascadas potenciais com a Justiça. Invariavelmente olímpico, ele lava as mãos da crise da segurança pública - uma calamidade nacional -, alegando que a de São Paulo é “de gestão”, empregando propositalmente um termo do léxico eleitoral do ex-governador Geraldo Alckmin. A entrevista de Thomaz Bastos, publicada ontem neste jornal, é uma sucessão de sofismas, em que fulgura o já citado “não posso jogar dinheiro pela janela”.

A desalentadora verdade é que, de parte a parte, estão fazendo política com vidas, propriedades e bens públicos dos paulistas. Ao contrário do que quer fazer crer o governo estadual, o PCC está mais organizado do que nunca, escolhendo os seus alvos com fria deliberação - os prédios do Ministério Público estadual e da Secretaria da Fazenda acabam de entrar no rol dos pontos atacados à bomba. A tragédia é que à escalada de desmoralização da autoridade pela indústria do crime corresponde a deterioração da capacidade de responder e, afinal, prevalecer de um poder estatal que de há muito perdeu o seu traço constitutivo de detentor do monopólio do uso da força. 

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