Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 17, 2006

Míriam Leitão - A crise é maior




Panorama Econômico
O Globo
17/8/2006

O Brasil está sendo ameaçado por perigos graves. Não me lembro de ter visto tantos riscos juntos sobre o país. Bandidos não têm limites, a corrupção apodrece as instituições e mina as bases da democracia e a confiança nas instituições. Num momento de tantos riscos, os candidatos se mostram pequenos diante dos desafios e não demonstram ter a noção da gravidade do momento.

O começo da propaganda eleitoral, as entrevistas e o debate mostraram candidatos que repetem bordões e frases de efeito, seguindo a orientação de seus marqueteiros. Não há propostas, projetos, sinais de que bons cérebros foram convocados para pensar saídas e soluções da dimensão dos desafios. Não há uma idéia por trás da candidatura.

O fato de o tema de segurança estar ausente do primeiro dia de propaganda, quando todos os jornais, rádios e televisões do país estão conclamando para que esse problema entre no debate eleitoral, é um sinal do divórcio entre candidatos e as urgências do país.

Eles perderam tempo no período pré-eleitoral construindo frases-truques que supostamente resumiriam alguma idéia. Deveriam ter se preparado para responder a uma pergunta simples: em nome do que eles são candidatos? Ao final do debate da Band, o cenário era desolador. O candidato que está na dianteira fez o que todos fazem no Brasil quando estão na mesma posição: não compareceu. Os outros acrescentaram pouco. Geraldo Alckmin empilhou as áreas que pretende atacar, num exaustivo esforço de não especificar coisa alguma. Heloísa Helena acha que tudo se resolve quando os juros caírem, milagre que permitirá ter dinheiro para tudo. Cristovam Buarque aborrece o eleitor com uma repetição vazia de que é preciso fazer uma revolução na educação. Disso sabemos todos, o que se espera do candidato é que ele diga como pretende revolucionar a educação. Os dois candidatos nanicos são ainda mais vazios. José Maria Eymael é o candidato do "Estado de senhor a servidor", e Luciano Bivar é o do imposto único.

Foi constrangedor o momento em que Cristovam Buarque pediu que Eymael explicasse a solução que tem para a Amazônia. Ele fingiu que ia falar do assunto, deu uma enrolada, fez meia-volta e refugiou-se no mesmo bordão sem sentido. Evidentemente nunca pensou no assunto.

Bivar, no programa eleitoral, criticou os jornalistas que o ignoram. Há nessa questão uma enorme confusão no Brasil. Democracia não é dar espaço a quem se apresenta como pretendente ao cargo de presidente, mas sim aos candidatos que de fato tenham densidade eleitoral. Os candidatos só merecem tempo e espaço na imprensa se representarem algum segmento do eleitorado. Se são representantes de si mesmos, não há por que terem espaço. O PSDC e o PSL não têm um único deputado no Congresso. Cada um elegeu um deputado, mas o PSDC perdeu o dele antes mesmo da posse e o PSL, em 2005. Por liberalidade da lei têm espaço no horário eleitoral, mesmo às vésperas de entrar em vigor a cláusula de barreira. Felizmente, o TSE corrigiu o erro que constrangia órgãos de comunicação e considerou que partidos que não tenham sequer um deputado na época da convenção partidária não precisam ser convidados para os debates. O eleitor tem o direito de saber as idéias dos candidatos viáveis, e o jornalista, de não ser obrigado a fingir que todos são de fato candidatos. O PSOL, mesmo sendo um partido recém-criado, tem representação parlamentar que lhe dá densidade. O PDT, mesmo tendo 1% de intenção de voto, tem bancada. Os outros não.

O melancólico começo do horário eleitoral só confirma a impressão de que os candidatos não entenderam a gravidade da crise. No primeiro dia, o eleitor ficou sabendo todas as irrelevâncias sobre a vida de "Geraldo" e como funcionaram os projetos que ele fez em São Paulo, como Renda Cidadão, Dose Certa e Restaurante Bom Prato. Com outro nome, são iguais aos programas inventados pelo ex-governador Garotinho no Rio e que o PSDB chamava de populistas. A cena em que uma mulher agradecia ao "Geraldo" pelo Renda Cidadão é um exemplo de como não se deve entender um moderno programa de complementação de renda: não é uma dádiva do governante, mas um direito do cidadão. Tudo isso encerrado por frases ocas como: "a verdade está nas coisas mais simples, a verdade está num aperto de mão".

Nada o diferencia do populismo deslavado e manipulador da propaganda eleitoral em que o presidente Lula exibiu mais um clássico da sua doentia alienação sobre a sujeira que o cercou neste governo. Ele continua fingindo nada saber e nada ver. Depois de ter 40 pessoas do seu grupo político, entre eles ministros do seu governo, denunciados pelo procurador-geral da República, ele deveria ao menos dar o conforto ao eleitor de que será mais vigilante no segundo mandato.

Não há grandeza no que falam, não há relevância nas frases inventadas e nos slogans, não há soluções exeqüíveis para nos tirar do abismo em que nos afundamos. Outros países enfrentaram crises tanto na segurança quanto na disseminação da corrupção. Eles encontraram saídas. Há fórmulas já testadas. Mas, no mundo da fantasia dos nossos candidatos, basta trocar um nome, ou confirmar tudo isso que está aí, que os problemas desaparecerão.

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