Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 14, 2006

MIRIAM LEITÃO Vale Inco

Miriam Leitão - O Globo

No começo da entrevista telefônica (o call) da diretoria da Vale do Rio Doce para explicar aos analistas estrangeiros a oferta de compra da Inco havia 150 analistas ouvindo; 15 minutos depois, havia 400. Na coletiva à imprensa, havia 250 jornalistas estrangeiros plugados pela internet. A proposta da Vale a torna definitivamente uma empresa global, e a busca de informações ontem já mostrava isso.

A Vale hoje é uma empresa grande, conhecida no mundo, com quase toda a sua geração de receita em moeda forte, mas tem sua operação concentrada no Brasil. Apenas 2% da operação da companhia são fora do Brasil. Se comprar a Inco, ela se torna uma empresa com 40% da sua operação fora do Brasil.

- A vantagem é que vira uma empresa diversificada, em produto e em região, e isso reduz o risco e o custo de capital - disse Tito Martins, diretor de Assuntos Corporativos da Vale.

Mesmo assim, as ações caíram e a reação das agências de risco será a de dar um sinal negativo para a Vale após a proposta pelo aumento do endividamento da empresa. Os executivos da Vale já esperavam isso, mas garantem que a empresa tem capacidade de pagamento.

O empréstimo-ponte da quantia astronômica de US$ 18 bilhões que foi negociado com quatro bancos (ABN, Santander, UBS e CSFB) é de dois anos. Mas ontem, enquanto a proposta estava sendo revelada à imprensa, em uma das salas da empresa já se negociava com o consórcio de bancos uma forma de reestruturação da dívida para ela ser alongada após 18 meses.

- É o nosso sonho entrar no Canadá, um país do Primeiro Mundo e, além disso, um grande minerador -disse-me o presidente da empresa, Roger Agnelli.

O Canadá é o maior desafio que a Vale tem pela frente. A empresa terá de convencer as autoridades canadenses de que será um bom negócio para o país.

Antes de tudo, os investidores terão de dizer se querem vender para a Vale. Outras duas empresas fizeram propostas de compra pela Inco: a americana Phelps Dodge e a canadense Teck Cominco. As duas propõem pagar parte em dinheiro e parte em ações. A proposta da Vale é mais vantajosa: compra de 100%, com 100% cash. Mesmo que os investidores prefiram vender para a Vale, as autoridades canadenses poderão dizer não.

Por uma lei chamada Canadian Act, o governo do país levanta uma série de questões sobre a operação antes de aprová-la. E promete dizer sim ou não em 45 dias. A Vale terá de provar que tem boas intenções, que está comprando a empresa para mantê-la funcionando e investir nela. O governo canadense quer afastar o risco de concorrentes que compram empresas para desativá-las.

Boa precaução, mas no caso da Vale o temor não se justifica. Para a empresa brasileira, ter a centenária Inco é o caminho para se globalizar e se diversificar. As primeiras aquisições que a Vale fez após a privatização foram todas no Brasil — Caemi, Ferteco, Samarco, por exemplo. Precisa se arriscar no exterior. E o ambiente não está favorável a quem fica parado.

- Está todo mundo comprando todo mundo no setor de mineração nos últimos tempos - disse Roger Agnelli.

A Inco entrou nessa fase de compra-compra como caçadora e depois virou alvo. Ela é a segunda maior produtora de níquel do mundo, matéria-prima para ligas da indústria siderúrgica. Tem as maiores reservas do mundo de níquel, o metal que mais se valorizou na atual escalada de alta dos preços internacional de

commodities.

- Meses atrás a Inco fez uma proposta para a compra da Falconbridge. A Xstrata, uma empresa sul-africana, reagiu e também propôs comprar a Falconbridge. A Inco acabou afastada da operação por razões antitruste. Com ela haveria uma concentração grande no mercado canadense, e a Xstrata acabou comprando a empresa. Em seguida a Teck Cominco, canadense, fez uma proposta hostil de compra da Inco. Em reação, a

Phelps Dodge, uma grande produtora de cobre americana, fez uma proposta amigável, negociada com a direção da Inco - explicou Tito Martins.

As duas propostas estavam sendo avaliadas pelas autoridades canadenses, mas nos últimos dias foi ficando claro que a Phelps Dodge seria derrotada. Foi quando a Vale viu a oportunidade de apresentar sua proposta, que vinha desenhando há meses.

À 1h da manhã de ontem, os representantes dos acionistas saíram do prédio da Avenida Graça Aranha, no Centro do Rio. A reunião, convocada para apresentar a eles os planos de proposta de compra da empresa canadense, havia começado sete horas antes, conta um acionista. Nela todos os detalhes foram esmiuçados. A proposta é ousada e tem pela frente grandes desafios.

O primeiro é o aumento do endividamento. Hoje a Vale deve US$ 5,83 bilhões e passará a dever US$ 23 bilhões, mas sua geração de caixa subirá de US$ 9 bilhões para mais de US$ 12 bilhões. Seu endividamento será um pouco menos de duas vezes sua geração de caixa. Segundo a empresa, isso é considerado perfeitamente aceitável pelos analistas. É uma jogada global. Com ela a Vale deixa de ser a quarta maior mineradora do mundo e passa a ser a segunda maior. Os próximos 45 dias serão emocionantes na Vale.

Há um detalhe relevante nessa aquisição, se ela for concluída. A Inco tem conhecimento técnico, funcionários treinados, experiência na produção de níquel. A Vale tem reservas do produto, mas ainda não produz.

Iniciará agora a exploração em projetos que concluirá em 2010. Se comprar a empresa canadense, estará adquirindo também conhecimento de como entrar na exploração de outro metal.

- Em quatro anos queremos ser o maior produtor de níquel do mundo - afirmou Agnelli.

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