Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 19, 2006

Miriam Leitão Caminho longo

O GLOBO



 Não é trivial o problema da taxa de juros no Brasil. Mesmo sem falar na taxa básica, que tem a ver com política monetária, erros e acertos do Copom, a dívida pública, ainda assim o problema restante, o dos juros bancários e comerciais no Brasil, é bastante complexo. As simplificações não servem para explicar o problema, nem as pomadas milagrosas ajudam a resolver coisa alguma.

Lembram de quando os bancos diziam que, se a Lei de Falências fosse adotada, os juros cairiam? Ela foi aprovada, e o Brasil continua com o spread mais alto do mundo. As críticas da Febraban se concentram em dois pontos: o compulsório elevado e a cunha fiscal, mas mais de um terço do spread é a margem líquida dos bancos, ou seja, mesmo se caísse o compulsório a zero e se os bancos não repassassem para o cliente o imposto embutido nas operações de crédito, os juros seriam altos.

Já houve quedas do recolhimento compulsório sobre as contas correntes e as aplicações financeiras sem que os bancos aumentassem a oferta de crédito.

Preferiram comprar mais títulos públicos.

Os juros do Copom são tão remuneradores que a queda do recolhimento compulsório é um ótimo negócio para os bancos. Eles deixam de mandar dinheiro com remuneração zero para o Banco Central e passam a ter o direito de emprestar esse mesmo dinheiro a 14,75%, na taxa de hoje. Enquanto os juros básicos forem tão altos, eles naturalmente atrairão o interesse dos aplicadores, sejam bancos ou empresas. E isso aí é parte de outro problema brasileiro: o baixo volume de investimentos.

Para o governo também o recolhimento compulsório deixa de ser um instrumento de política monetária para ser uma forma de se financiar a custo zero. Ou seja, os bancos não estão dizendo toda a verdade quando culpam o recolhimento compulsório pelo baixo volume de crédito no Brasil, porque se houver mais dinheiro disponível eles vão comprar títulos públicos; nem o governo está dizendo toda a verdade quando diz que o compulsório é apenas instrumento de política monetária.

O compulsório é uma forma de tirar dinheiro de circulação e, portanto, reduzir a pressão sobre a inflação e o consumo. No Brasil, hoje, tanto a inflação está baixa quanto o consumo está fraco. Não seria necessário compulsório tão alto sobre depósitos a vista e, além disso, sobre depósitos a prazo.

Provavelmente era a isso que se referia o economista Roberto Troster, quando disse que desafiava qualquer um a provar que o compulsório era necessário por razões de política monetária.

Troster fez ácidas críticas ao governo em resposta às declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que vai reduzir o spread bancário com um pacote de medidas que está preparando. Medidas que, como eu disse aqui ontem, já existem. Podem ser melhoradas e aperfeiçoadas, mas já existem. A reação da Febraban diante das declarações do seu economista foi telefonar para o ministro e desautorizar seu economista.

Mas o que ele disse é exatamente o que a Febraban vive falando: que são os compulsórios e os impostos os culpados pelos altos juros bancários. O que os bancos não gostaram foi do tom de Troster. A Febraban detesta brigar com governo. Qualquer governo.

É o oposto do espanhol anarquista. Se há governo, ela é a favor.

Os bancos não são os únicos culpados pelos males nacionais, como são apresentados freqüentemente, principalmente em momento eleitoral; nem tão inocentes como se proclamam.

Foi no FMI que o BIS buscou os dados para mostrar que o spread no Brasil é o mais alto do mundo.

É o FMI que diz que há pouca competição no mercado bancário do Brasil, onde dez bancos têm 90% dos ativos. O Banco Mundial tem estudos sobre a mesma distorção da economia brasileira. Instituições insuspeitas de terem preconceito contra bancos, e estão todas apontando o mesmo problema.

A Anefac mostrou recentemente, em um estudo, que, de cada dez tarifas cobradas pelos bancos, nove tiveram aumento muito acima da inflação nos últimos cinco anos. O simples depósito em outra agência aumentou 2.614%.

Quando a inflação era alta, os bancos ganharam muito dinheiro e, por isso, 31 deles quebraram quando a inflação baixou. Mas eles voltaram a ter 35% ou mais de retorno sobre o patrimônio líquido, por meio de alta margem líquida nos empréstimos e aumentos nas tarifas muito acima da inflação. O setor é concentrado, a competição é reduzida pela falta de transparência dos custos e das taxas cobradas pelos bancos, e pelas dificuldades impostas na mudança de banco. Quem vai de um banco para outro tem que enfrentar de novo a burocracia, esperar um tempo até ter limite do cheque especial; se mudar atrás de tarifa mais baixa pode ter o dissabor de vê-las subirem no banco para o qual mudou, sem nem aviso prévio.

Há de fato uma agenda pela frente para reduzir as diversas taxas de juros no Brasil. Há o que fazer em termos regulatórios, de fiscalização, ou de mudanças estruturais. O Brasil precisa de crédito farto e barato para as empresas e para o consumo. Isso é precondição para o crescimento sustentado. Ele será atingido com uma série de mudanças. Melhorar e ampliar o cadastro positivo ou as informações da central de risco de crédito do Banco Central, e aumentar a portabilidade das contas correntes, são medidas necessárias, mas é preciso muito mais para tornar os juros brasileiros razoáveis.

Que seja.

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