O GLOBO
O presidente Lula superou os primeiros obstáculos da parte decisiva da campanha eleitoral: apesar de sua cadeira ter ficado vazia no debate da Bandeirantes, e de ter se saído mal, na avaliação da maioria dos analistas, na entrevista ao “Jornal Nacional”, não teve sua liderança ameaçada. A pesquisa do Ibope divulgada ontem mostra Lula solidamente 11 pontos à frente de todos os seus competidores, sem que nenhum deles esboce uma mínima reação. Os dois primeiros dias da propaganda gratuita no rádio e na televisão também não serviram para sacudir o eleitorado, embora seja consenso entre os especialistas que somente com duas semanas se poderá saber qual influência ela terá no resultado final da campanha.
e qualquer maneira, alguns setores da oposição, especialmente no PFL, já começam a ficar nervosos com os programas oficiais de Alckmin, considerados muito banais para um candidato que está tão atrás nas pesquisas. A queda apresentada por Alckmin na última pesquisa, quando foi de 26% para os atuais 21%, foi uma ducha de água fria que provocou os primeiros sinais de “cristianização” do candidato tucano, que estão sendo vistos nos programas regionais.
Especialmente no Nordeste, onde Lula apresenta índices estratosféricos de 75% dos votos válidos, os candidatos aliados simplesmente “esqueceram” de falar em seu nome, ou mesmo de colocá-lo em algum ponto da tela. Até em Pernambuco, onde é teoricamente mais sólida a aliança com o apoio do exgovernador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, e com o vice José Jorge, do PFL, a candidatura presidencial está relegada a um plano secundário, enquanto os partidos priorizam a disputa pelo governo do estado, que tem o candidato do PFL, Mendonça Filho, na frente, mas deve ser decidida no segundo turno com dois candidatos ligados ao governo, os exministros Humberto Costa e Eduardo Campos.
Uma insólita intervenção das direções nacionais do PSDB e do PFL vai tentar garantir que o nome de Alckmin seja defendido Brasil afora, mas, mesmo que isso seja conseguido, o que é duvidoso, o candidato não está na alma dos seus correligionários, e até o momento não conquistou também a alma do eleitor. A discussão interna da campanha, sobre o tom dos programas, continua acesa e é imprevisível se a tendência propositiva e amena que prevalece por imposição dos marqueteiros de Alckmin conseguirá se manter por muito tempo diante dos números e do nervosismo dos aliados.
A má notícia para a oposição é que, além de a estabilidade dos números só ser boa para Lula, quando eles se mexem são quase sempre contra Alckmin. O que os analistas oposicionistas apontavam como incongruências nas pesquisas — o fato de que Alckmin vencia em algumas regiões do país e Lula em outras, o que nunca acontecera antes — está se confirmando, mas a favor de Lula.
Embora o núcleo duro de sua votação esteja concentrado no eleitorado do Nordeste (69% contra 11%); entre os menos escolarizados (54%) e os de renda mais baixa (59% a 14%, entre os eleitores de até um salário mínimo, e 52% a 18%, entre os de até dois salários mínimos), Lula já vence em todas as regiões, em todas as classes sociais, em todos os segmentos de escolaridade, em todas as faixas de renda, com exceção dos que ganham mais de dez salários mínimos, e assim mesmo por pouco: tem 24% de intenções de votos, contra 39% de Alckmin.
Lula ganha, embora por pouco, até mesmo entre os eleitores de nível superior completo, onde já tem 31% contra 27% do candidato tucano. Nesse segmento, surge na pesquisa uma indicação no mínimo curiosa: o candidato do PDT Cristovam Buarque perdeu quatro pontos percentuais e Geraldo Alckmin caiu nada menos que sete pontos. Já Lula subiu quatro pontos e a candidata do PSOL, Heloísa Helena, subiu três.
No Sudeste, onde chegou a ser majoritário, Alckmin perdeu quatro pontos percentuais nesta pesquisa Ibope e é superado por Lula por 12 pontos percentuais.
Mesmo no Sul, onde ganhou cinco pontos, Alckmin perde também por 11 pontos. Mesmo nas cidades com mais de cem mil habitantes, onde o eleitorado é mais crítico, Lula vence por 41% a 24%. E com um dado positivo a mais: nas cidades próximas das capitais, Lula subiu quatro pontos e Alckmin caiu seis pontos.
Também com relação aos modelos matemáticos de que tenho tratado aqui, Lula vai muito bem. De acordo com os estudos da Mosaico, do economista Alexandre Marinis (e não Eduardo, como escrevi aqui quarta-feira), o percentual de intenções de votos válidos no candidato governista tende a cair abaixo do piso de 50% necessário à sua eleição quando a taxa de aprovação a Lula é inferior a 44%, ou quando a taxa de avaliação ótima e boa do governo é inferior a 30%. Pois esta mais recente pesquisa do Ibope mostra um governo Lula com a aprovação de 57% dos eleitores, e uma taxa de ótimo e bom de 41%.
O presidente Lula tem uma chance de ouro de fazer valer sua tão propalada influência internacional, diante da decisão da França de enviar apenas 200 soldados para a força de paz da ONU no Líbano, que provocou estranheza até no governo dos Estados Unidos.
Com a força moral de quem atendeu a um pedido pessoal do presidente francês Jacques Chirac para assumir o comando das tropas da ONU no Haiti, Lula tem todo o direito de insistir com Chirac para que a França demonstre mais boa vontade com a situação do Líbano.
E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br
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