Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 13, 2006

Janio de Freitas: Os bilhões do reino


Folha de S.Paulo -


Na seqüência de revelações de corrupção, a atenção se prende aos personagens e se perde a noção dos valores

SÓ NOS DOIS episódios de corrupção mais destacados na semana, foi-se meio bilhão dos cofres públicos. E é só o começo, porque as investigações da Operação Sanguessuga ainda não apuraram quanto foi desviado nas 600 prefeituras conluiadas com parlamentares federais e empresários do esquema. Nem se sabe ainda a quanto vão os R$ 350 milhões, e os respectivos rateios, do golpe das compras governamentais de alimentos, motivo da prisão anteontem de 20 civis e 10 militares.
Na seqüência de revelações de corrupção, nossa atenção se prende às personagens e às suas funções, mas a noção dos montantes em geral se perde ou nem se forma no roldão de mais e mais valores. E esse montante é, com toda a certeza, de muitos bilhões a cada ano, com a participação do que ocorre nas prefeituras, nos governos estaduais e no governo federal. A contaminação distingue pessoas, não faz diferença entre setores, seja qual for o seu nível, da administração pública no país todo. O monstro é muito maior e pior do que o seu rabo perceptível nos escândalos faz supor.
A reincidência da roubalheira com gastos públicos propostos ao Orçamento por parlamentares (as chamadas emendas), como foi a dos "anões" flagrados nos anos 90, não se limita às ambulâncias dos sanguessugas. Foi só mexer um pouco nas emendas desse esquema e logo apareceu outro tipo de golpe contra verbas orçamentárias: o deputado Fernando Gabeira -a cuja persistência por uma CPI já se deve a indiciação de 72 parlamentares, e haverá mais- está denunciando, agora, o uso de emendas da corrupção a pretexto da compra de computadores e veículos, para o programa de "inclusão digital". É uma descoberta a mais, porém ainda distante do que se passa no Orçamento.
Há mais de 15 anos, desde iniciado o governo Collor, não se lançam projetos de grandes obras públicas, o que levou as empreiteiras maiores e patrocinadoras de fraudes nas concorrências, e portanto de corrupção, a se voltarem para atividades como mineração, petroquímica, exportação, até coleta de lixo. A aprovação das verbas orçamentárias para grandes obras levava à distribuição de suborno alto a inúmeros deputados e senadores. Houve os que chegassem a ter a campanha eleitoral bancada. Com o fim dos grandes projetos, a alternativa da corrupção orçamentária foi multiplicar o uso de verbas para o assistencialismo, caso das ambulâncias, e as obras de menor porte. Alvo mais fácil e mais numeroso: as prefeituras, mais de cinco mil. Assim se explica que a inclusão das emendas orçamentárias deixasse de exigir a existência preliminar de projeto e, liberado o recurso, a fiscalização do seu uso. Esta, sujeita só, em número proporcionalmente muito pequeno, à ocasional disponibilidade dos meios insuficientes do Tribunal de Contas da União.
Extinguir as emendas do Congresso não soluciona. Mas a evasão de verbas orçamentárias precisa de mais do que uma ou outra CPI, mesmo no reino da corrupção.

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