Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 03, 2006

“ISSO É CHAVISMO”, DIZ BORNHAUSEN



Ugo Braga
Correio Braziliense
3/8/2006

Oposição critica proposta de Constituinte para reforma política e compara Lula a presidente da Venezuela

O presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), classificou ontem como sinal de autoritarismo a articulação do Palácio do Planalto por uma Assembléia Nacional Constituinte no próximo ano. "Isso é prenúncio de chavismo", afirmou. A palavra "chavismo" refere-se ao presidente venezuelano Hugo Chávez, que depois de se eleger pela via democrática reformou a Constituição retirando poderes do parlamento e transferindo-os para si mesmo. "Mas nós estamos livres disso, porque ele (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição) será derrotado", falou Bornhausen.

A idéia de uma Constituinte exclusiva, admitida ontem por Lula e pelo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, surpreendeu alguns governistas. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que não a conhecia. Soube por intermédio da reportagem do Correio. "Isso é novo ou inexistente. Pode ser que o Tarso Genro tenha dito uma coisa, e o Busato entendido outra", arriscou. O senador Tião Viana (PT-AC) também foi pego de surpresa. "Não estou sabendo de nada. Mas o Jucá deve saber", esquivou-se. Não sabia.

Na Câmara, o líder do PSDB, Jutahy Magalhães Júnior (BA), também se surpreendeu. "Isso não tem nenhum cabimento", falou. "Nós temos é que fazer uma reforma política antes mesmo da posse do próximo Congresso. Mas primeiro vamos derrotar o Lula."

O líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), questionou o aspecto legal da tal idéia. "Uma Assembléia Nacional Constituinte tem que ser eleita com este fim específico. Ele (o presidente Lula) está sendo no mínimo precipitado. Até porque não tem autoridade moral nem política para patrocinar uma reforma constitucional. Que conversa é essa!", exclamou.

Exemplo do Chile
O único caminho para o presidente convocar uma Constituinte pela via democrática é a aprovação de uma emenda constitucional convocando eleições para escolha dos deputados e senadores-constituintes. A emenda pode ser enviada ao Congresso pelo Executivo, por um parlamentar ou por uma organização civil. O Planalto quer que a OAB o faça.

Ainda tentando entender do que se tratava, Tião Viana disse ao Correio que a Constituinte exclusiva "deve ser algo do tipo concertação, um pacto para algumas reformas estruturantes". O termo "consertação" é um neologismo da política brasileira. Refere-se à concertacion promovida por Felipe Gonzáles na Espanha, onde houve coalizão de forças de todos os partidos políticos, e no Chile, uma aliança entre liberais, conservadores e progressistas que se uniram para arrumar o país no fim da ditadura militar — e para isso, aceitaram governar juntos. Não é exatamente essa a idéia do governo Lula.

As poucas explicações dadas a respeito apontam para a realização da reforma política na Constituinte exclusiva. Mas a reforma política de que se fala desde a eclosão da crise — mudanças no Código Eleitoral, nos regimentos internos da Câmara e do Senado e alterações tópicas na Constituição — pode ser feita por um pacote de projetos de lei, projetos de resolução e propostas de emenda à Constituição. Nesse caso, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte é desnecessária.

Para o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, a reforma política é possível de ser feita apenas com alterações infraconstitucionais. "Não vejo nem pé nem cabeça nisso, imagina, convocar de novo uma Constituinte no Brasil. Precisamos ter estabilidade nas regras, preservar a Constituição", reagiu.

Sobre a possibilidade de uma criação de uma nova constituinte, o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, disse que o Brasil não precisa de novas leis, o problema está na leitura que se faz delas e de seu emprego. "Geraria inclusive uma instabilidade política: toda vez que vem uma lei nova surgem conflitos na interpretação dela, o que dirá com uma modificação como essa. O que precisamos é de seriedade e de vergonha na cara. Precisamos de homens públicos apegados a princípios e ao direito posto."

Sarney defende reforma

O ex-presidente da República e senador José Sarney (PMDB-AP) disse ontem, em almoço com cerca de 30 empresários da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), que a realização de uma reforma política no próximo governo, seja ele qual for, é condição imprescindível para garantir a governabilidade do próximo mandato presidencial. "Se não a fizermos, o Brasil estará ainda mais ingovernável nos próximos anos, e ficará estagnado", reafirmou o senador.

Segundo Sarney, tal reforma deverá passar por um processo de concertação política nos moldes do governo de Felipe González na Espanha. "Uma reforma tem que ser concertada com todos os atores, de maneira que eu acho que não só o governador (Geraldo) Alckmin, como o presidente Lula, devem ter um terreno comum para debater o assunto e realizá-la", salientou. "Vejo espaço para concertação a qualquer momento, porque transcende a política partidária e é um assunto que interessa ao Brasil", acrescentou.

Na visão do ex-presidente, no formato atual, as instituições políticas brasileiras remontam ao século XIX, resultando num Congresso Nacional que "de certo modo está desrespeitado e cheirando mal". Sarney entende como viável o estabelecimento de um acordo entre todos os partidos políticos, para que a reforma seja realizada já na próxima gestão.

O senador evitou criticar os rumos da campanha de reeleição do presidente Lula. "Não tenho participado e nem opinado sobre os rumos da campanha, e não conheço exatamente como tudo está se desenrolando", desconversou, ao ser indagado sobre o noticiário de ontem, dando conta que ele e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), os principais aliados de Lula dentro do PMDB, se sentiam desprestigiados pela coordenação da campanha.

Para evitar análise de que desembarcava da campanha de Lula, Sarney tratou de defender a reeleição do presidente. "Acho que a eleição de Lula foi muita boa para o Brasil, e a continuidade também. Se não tivermos um presidente que inspire as classes sociais, que tenha o problema social como prioritário e que possa concluir projetos sociais, podemos perder algo que o Brasil deve merecer, que é a preocupação com a questão social", argumentou. 

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