Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

GESNER OLIVEIRA Nova revolução cubana

FOLHA

Em uma economia globalizada, a reintegração de um país como Cuba é inexorável

FIDEL CASTRO morreu. O velho ditador pode viver até os cem anos e animar encontros do Mercosul, mas a via cubana deixou de ser uma alternativa real. A transição para um regime mais aberto econômica e politicamente é uma questão de tempo. No Leste Europeu, processo análogo gerou privatizações selvagens e corrupção. As reformas liberalizantes da América Latina foram frustrantes do ponto de vista do investimento e crescimento. Cuba poderá surpreender favoravelmente no primeiro quartel do século 21. Cuba reúne quatro condições favoráveis para um modelo bem-sucedido de crescimento. Em primeiro lugar, e em contraste com a maioria dos países latino-americanos, apresenta bons indicadores sociais. O índice de desenvolvimento humano (IDH) de Cuba é 0,871, nível considerado de país desenvolvido (superior a 0,8). Os indicadores de saúde são invejáveis. A taxa de mortalidade infantil é de 6 mortes por 1.000 nascidos vivos, pouco acima da média dos países mais ricos da OCDE (5 mortes por 1.000 nascidos vivos). A expectativa de vida é de 77,2 anos, sete anos a mais que no Brasil. Segundo as Nações Unidas, Cuba é o país que mais investe em educação no mundo: 18,7% do PIB. A taxa de alfabetização adulta é de 96,9%, contra 88,4% no Brasil. A porcentagem de alunos matriculados é maior no Brasil (91%) comparativamente a Cuba (80%). Contudo, e de acordo com livro "Brasil: o Estado de uma Nação", divulgado nesta semana pelo Ipea, no Brasil, "virtualmente todos entram na escola, mas somente 84% concluem a 4ª série e 57% terminam o ensino fundamental. O funil se estreita ainda mais no nível médio, no qual o índice de conclusão é de apenas 37%". Em segundo lugar, a vantagem competitiva com relação ao turismo é indiscutível. Em vez de servir de arrimo para uma economia estatal estagnada como na atualidade, esse setor poderá ser pólo de novos investimentos e de absorção de mão-de-obra. Em terceiro lugar, a ilha tem posição estratégica de acesso ao mercado dos EUA e de integração em um mercado comum centro-americano. Além do turismo, outros pólos de exportação de serviços poderiam florescer. Um país pequeno como Cuba deveria ter elevado grau de abertura e forte concentração em serviços. Em virtude do embargo dos EUA e de opções erradas do regime de Fidel, o contrário ocorreu nas últimas décadas: fechamento comercial e ênfase excessiva na economia do açúcar. Apesar disso, Cuba já exporta serviços médicos mediante envio de profissionais para o exterior, em particular para a Venezuela. Na atualidade, o negócio é integralmente organizado pelo Estado. No futuro, tais serviços poderiam ser supridos de forma descentralizada e privada, estimulando novos investimentos em sua ampliação e a constituição de centros de excelência em áreas específicas da medicina. Em quarto lugar, há uma comunidade dinâmica no exterior com capacidade empreendedora, algum capital e rede de relações no exterior. Há cerca de 800 mil cubanos só no Estado da Flórida e mais de 1 milhão de cubanos nos EUA. Lembre-se do papel catalisador para o desenvolvimento chinês e indiano das comunidades de emigrados desses países. Algo semelhante pode acontecer em relação a Cuba. Uma transição pacífica para a democracia e a economia de mercado poderia reunificar capital humano e empreendedorismo em um novo projeto de desenvolvimento para aquele país. Mas tal milagre depende da transição, e essa última constitui processo delicado. Será preciso contornar as resistências dentro do partido comunista e prepará-lo para um futuro de multipartidarismo. Do ponto de vista econômico, será necessário introduzir incentivos à livre iniciativa sem repetir a transformação de monopólios estatais em monopólios privados que ocorreu no Leste Europeu. Os desafios serão enormes. A política equivocada de embargo dos EUA não ajuda. Mas, em uma economia globalizada, a reintegração de um país como Cuba é inexorável. E os resultados potenciais são suficientemente atraentes para colocar em marcha uma nova revolução cubana.

Arquivo do blog