Entrevista:O Estado inteligente
Gaudêncio Torquato O mais do mesmo
OESTADO
Em 1968, o candidato a vice-presidente dos EUA na chapa republicana liderada por Richard Nixon aparecia assim num spot eleitoral: “Spiro Agnew para vice-presidente.” O áudio que acompanhava o vídeo, produzido pelos democratas, era uma sonora gargalhada com a mensagem: “Seria engraçado se não fosse sério.” Os americanos são exímios na arte do deboche político. Usam e abusam do chiste publicitário para ridicularizar candidatos. Nunca deram bola à máxima de John O’Toole, presidente de uma das maiores agências de publicidade do país: “Não confundam os candidatos à presidência com algum desodorante e a Casa Branca com uma axila.” Os EUA têm uma democracia consolidada e forte tradição na área do marketing. Já a democracia brasileira, que nem ultrapassou a adolescência, usa as artimanhas do marketing para transformar bandidos em mocinhos, abusando da mistificação nos tempos de campanha política. Os candidatos são todos pessoas imaculadas, cumpridoras do dever. Se, por acaso, algum deles errou, nada como um genérico “todo mundo tem direito de errar” para consertar as coisas. E o pior é que o caradurismo conta com o apoio da lei.
Essa é a conclusão que se extrai da primeira semana de programas eleitorais. Os distintos eleitores poderão até gargalhar em suas casas ante o desfile de personagens que merecem figurar na galeria da escatologia política, seja pela maneira como escondem a veste suja, seja pelo escárnio com que pedem votos, imaginando que grotescas cenas de comemorações de vitórias no plenário da Câmara dos Deputados tenham sido esquecidas. Mas não podem vaiar os figurantes, pois o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomenda uma jornada bem comportada, rica de idéias (até as mais demagógicas), sem críticas que “desmereçam” adversários e pautada pelo respeito. Nem o Senhor das Alturas saberá explicar como fazer campanha limpa com fedentina jorrando por todos os poros. Teria de ser mesmo o Brasil - terra da cultura do mais ou menos - o lugar ideal para proibir chistes, trucagens e arremedos simbólicos capazes de denegrir a imagem de candidatos indiciados. Será que as imagens de muitas de S. Exas. merecem freqüentar a intimidade dos lares?
A propaganda eleitoral é um embuste. Que conta com o apoio do TSE, em que pese o esforço de seu presidente, ministro Marco Aurélio Mello, para lhe dar um norte cívico. Para começar, só o presidente da República e os governadores se conseguem fixar como símbolos de poder na cachola do eleitorado. Senadores, deputados federais e estaduais formam a geléia geral, elemento disforme que povoa a cabeça da maioria do eleitorado. Daí a necessidade de esclarecer a função dos representantes. “Deputado é tudo igual, federal e estadual, e senador... não sei para que serve.” Assim pensam milhões de votantes. Se o conceito de representação está no vácuo, vota-se numa ficção. O eleitor não distingue o voto. A massa inodora engrossa ainda mais com o fogo da panela legislativa. Vejamos.
A legislação brasileira é um amontoado de proibições. O “não pode” ganha de goleada do “pode”. Partidos e candidatos, monitorados pelos tribunais, são forçados a compor monólogos, exposições sobre o que fizeram ou o que farão. Basta ver os programas de Lula e Alckmin, monólogos mornos. Tecnicamente perfeitos, mas são os mesmos do passado. O do Geraldo, então, é um primor de racionalidade, com a linguagem para os meios, e não para as margens. O formato, baseado no tamanho das bancadas eleitas, favorece a exposição individualizada de promessas com realce para a autopromoção. Consideração “descabida” sobre o adversário ganha direito de resposta, que serve para controlar impulsos arrebatados. Assim, a legislação ciclotímica (muda a cada eleição) acaba esfriando o debate político. A maior crise política da atualidade acabará passando ao largo da programação. O bom-mocismo - aconselhado para evitar a retaliação - amortece a taxa imoral da política. Confunde-se “baixaria” com denúncias contundentes que poderiam orientar o eleitor a comparar os contendores. Não há coisa mais “baixa” do que assistir a um desfile gritado de nomes, caras e números, sem ligação entre as partes e o todo. De que adianta apresentar propostas, quando há promessas não cumpridas, alianças espúrias, negociatas e perfis corroídos?
A legislação obriga emissoras de TV a dar o mesmo espaço a todos os candidatos. Não por acaso, os debates perdem interesse e impacto. Somos obrigados a assistir a um “espetáculo democrático”, sob a bandeira da igualdade e da justiça, quando parece injusto juntar candidatos fortes e de idéias com medíocres e aspirantes a paxá. A palavra assemelhada joga a política no fosso burocrático. Dos candidatos proporcionais se deveria exigir, no mínimo, exame de sanidade mental. Como se pode deduzir, o modelo eleitoral-legislativo apenas esgarça nosso tecido democrático. E ainda torna caro o custo da política. A carga do horário eleitoral onera os cofres públicos em R$ 191 milhões, quantia decorrente de 15% do Imposto de Renda que as emissoras de todo o País deixam de recolher por serem obrigadas a veicular propaganda política. Esse montante daria para manter 280 mil alunos do ensino fundamental.
A paçoca ganha ainda os condimentos do marketing. Diferentemente do estilo europeu ou norte-americano, a propaganda política brasileira amortece conteúdos e privilegia a forma, impondo sua marca a cada eleição. Urge observar que o TSE, depois de cargas de pressão, acaba cedendo aos apelos das estruturas de marketing, que contam com a simpatia dos políticos. Em 1994, a Lei 8.713 impôs limitações às campanhas, ao vetar a presença de convidados em programas e exibição de cenas externas. Hoje, cenas dos feitos são o filé mignon dos programas. Andamos em círculo na arena eleitoral. Faz-se apenas o “mais do mesmo”. E a política, como espaço dos conflitos, vira vitrine de cacoetes, gestos, caretas e trejeitos. Um horror.
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