FOLHA
Antes de escrevermos o poema, ele não é mais que impulso e noção difusa de algo que quer ser expresso
CONFESSO QUE tenho evitado participar de festivais literários, embora considere que fazem bem à literatura e estimulam leitores e editores em seu amor pelos livros.
Faz bem ver tanta gente interessada em dialogar com os escritores, indagar os segredos da criação literária num mundo diariamente abalado pela violência. Apesar disso, não tenho ido a tais eventos. Desta vez, porém, como era em Parati, a poucas horas do Rio, aceitei, e não me arrependi.
Minha participação consistiu em dividir, com o escritor palestino Mourid Barghouti, uma mesa em que se debateria o tema do exílio. É que tanto ele quanto eu passamos pela amargura de não poder voltar para casa, de ter o curso de sua vida subitamente desviado, subvertido.
A outra coincidência é que ambos escrevemos livro sobre o tema: eu, o "Poema Sujo", que está completando 30 anos de lançamento, e ele, um livro de memórias -"Eu Vi Ramallah"- em que fala de seu retorno à terra natal após 30 anos de exílio. Há certamente muitas diferenças entre os dois livros, e uma delas é que, enquanto o livro dele começa com o fim do exílio, o meu poema foi escrito em pleno exílio. Todas essas coincidências e diferenças estavam à disposição do público que, no entanto, nada nos perguntou sobre isso.
Algumas semanas antes, li o livro de Barghouti e descobri nele um excelente escritor. "Eu Vi Ramallah" fala dessa experiência de volta à casa com raro poder de evocação e reflexão, que torna a narrativa densa e comovida, sem excessos. Li também, traduzidos, alguns poemas seus e entendi por que sua prosa é tão especial. Também isso me motivou a participar da festa literária de Parati, em sua quarta edição.
Embora esse livro de memórias fosse o que estava ali à disposição do leitor brasileiro, Barghouti preferiu ler para o público alguns de seus poemas. Depois dele, coube-me fazer a leitura de alguns trechos de meu "Poema Sujo", passando-se então às perguntas do mediador e depois às do público.
Não me lembro de tudo o que foi perguntado e dito ali, mas guardei o que ele falou com respeito à modernização ocorrida na poética árabe, que, como nas literaturas ocidentais, passara das formas clássicas ao verso livre e dos temas nobres aos cotidianos. Por isso mesmo, como poeta moderno que é, Barghouti fez questão de observar que as formas livres da poesia podem induzir a uma linguagem retórica e fácil que, na verdade, diz menos do que aparenta dizer.
Tendo que responder à mesma pergunta, manifestei minha concordância com as idéias do escritor palestino, observando, no entanto, que, atualmente, por razões que ignoro, minha poesia tende a certa desordem. Na verdade -disse eu- antes de escrevermos o poema, ele não é mais que um impulso e a noção difusa de algo que quer ser expresso.
Fazer um poema é lidar com o acaso e com a indeterminação. Errando e acertando, constrói-se o poema, que poderia não ter nascido exatamente assim. Preservar nele algo dessa indeterminação é o que procuro hoje, disse eu, embora deseje a um tempo manter o rigor e a economia da expressão poética... Bem, foi mais ou menos isso que disse ou pretendi dizer, esforçando-me para que me entendessem.
Surgiu então da platéia uma pergunta provocativa: a palavra ajuda a resolver os conflitos ou a aguçá-los? Barghouti afirmou que, na maioria das vezes, ela serve para confundir as pessoas e deu como exemplo o que ocorre com a guerra entre Israel e os palestinos, quando muitas vezes se inverte o sentido das palavras, chamando de terrorismo o que é resistência ao invasor e de represália o que seria de fato o massacre de inocentes.
Enquanto falava, vinha-me à lembrança o que ouvira de outras pessoas, que têm opinião diversa sobre aquele conflito e, para as quais, ocorre exatamente o contrário: pretende-se apresentar o terrorismo como ato de legítima defesa e a reação a ele como genocídio.
Chegada a minha vez de responder, admiti que as palavras às vezes servem para confundir as pessoas, mas servem também para esclarecer as questões -do contrário, viveríamos numa Babel. Elas são apenas um meio, o que importa é a disposição das pessoas, que sempre querem ter razão, sem considerar as razões do outro.
Isso não dá certo nem no casamento. Você insiste em que está com a razão, briga e depois vai para o quarto, cheio de razão, mas sozinho, triste. Então, de que serve ter razão? De minha parte -disse eu- desisto, não quero ter razão, quero ser feliz.
Entrevista:O Estado inteligente
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