O Estado de S. Paulo |
3/8/2006 |
Não adianta tentar acabar com velhos vícios sem ir à essência das questões A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou ontem proposta de extinção da reeleição para presidente, governadores e prefeitos e não por coincidência isso acontece em meio ao esgarçamento moral da política. Parlamentares saudaram a providência invocando as circunstâncias nefastas atuais e atribuindo boa parte delas ao fato de os governantes terem o direito de pleitear um segundo mandato. Ao mesmo tempo e igualmente como reação ao comprometimento criminal de boa parte do Congresso no manejo das emendas parlamentares ao orçamento, o Senado aprovou em plenário a obrigatoriedade de a peça orçamentária ser executada tal como sai aprovada do Congresso. Fala-se também na extinção, em breve, das emendas de caráter individual, ficando apenas aquelas coletivas, apresentadas em grupo. Todas essas propostas, e quantas mais vieram com igual teor de superficialidade em relação à essência do problema, traduzem vocação para tratar do acessório e deixar o substantivo intocado. Como na piada do marido traído que acreditou resolver o problema mandando remover da sala o sofá onde se deu o flagrante. No caso do orçamento impositivo, o que se discute aqui não é o mérito da proposta, que ainda terá de passar pela Câmara e lá dificilmente será aprovada. O questionável é sua utilidade como remédio à utilização de mandatos parlamentares para a prática de crime de corrupção. O fato de o governo ser obrigado a cumprir o que está escrito pode reduzir o poder de barganha de ambos os lados, Executivo e Legislativo, mas não impede, por exemplo, a fraude em edital de licitação com vistas a favorecer empresas que, em troca disso, pagarão propinas. As emendas individuais tampouco têm, sozinhas, o condão de corromper incorruptíveis. Foram criadas depois da CPI do Orçamento, há 13 anos, como forma de limitar valores e até de facilitar a fiscalização sobre a atuação do deputado ou do senador. Tanto que estão sendo identificados agora. A emenda coletiva não tem limite de valor e não necessariamente cria por si só qualquer obstáculo à corrupção. A diferença é que ela ocorre em grupo e seu produto é dividido entre os parlamentares patrocinadores das emendas. Não há problema em se propor nem executar essas alterações, desde que não se dê a isso a dimensão de uma solução para o problema, cuja essência é a conduta dos que assaltam o poder público, seja por ação, omissão ou conivência. Já no caso do fim da reeleição temos um pouco disso - dessa tendência em tomar a parte como se se estivesse lidando com o todo -, mas não temos só isso. Há oportunismo e casuísmo também. Desde que cumpriu seus dois mandatos presidenciais e não conseguiu eleger o sucessor de Fernando Henrique Cardoso, o PSDB tenta mudar a regra criada por ele com o jogo em curso, alegando que a reeleição "não deu certo". Agora, com o mar de lama servindo como "prova" de que no Brasil reeleição se presta à bandalheira (como se tal prática tivesse sido instituída no País em 1997, junto com a emenda da reeleição) do governante em busca do bis, a proposta conseguiu dar seu primeiro passo. Daqui até a aprovação pela Câmara e pelo Senado em dois turnos vai uma distância amazônica. Mas só a discussão do tema neste momento e nos termos em que é apresentada já é uma distorção grave, pois conduz as pessoas ao erro. Primeiro, dissemina a idéia de que há situações vividas por países institucionalmente mais avançados às quais o Brasil não pode almejar porque "não tem jeito". Além da reeleição, se inclui nessa categoria o voto facultativo. Segundo, incute nas mentes a suposição de que o defeito está na reeleição e não no uso que os venais fazem dela. Terceiro, e mais grave de tudo, prega o conformismo com a existência dos malfeitores. No lugar de puni-los, pune-se a norma. É o caso do sofá. Dois pesos Na entrevista de ontem à noite ao SBT, o presidente Luiz Inácio da Silva lembrou que o PT não "tem problema" em fazer punições internas porque na eleição de Tancredo Neves, em 1985, o partido expulsou metade de seus então oito deputados por desobediência à orientação para não votar no colégio eleitoral. Depois, em 2003, expulsou mais quatro também por crime de opinião. Sempre em julgamentos muito rápidos. Já por corrupção, o partido não puniu ninguém. Na entrevista, o presidente defendeu a idéia de que, sem trânsito em julgado e todos os trâmites cumpridos, corre-se o risco de cometer injustiças. Por isso, não viu problemas na concessão de legendas aos chamados mensaleiros e gente, como Antônio Palocci, óbvia e comprovadamente em dívida com a lei. Factóide Em matéria de divagação e diversionismo, poucas tentativas rivalizam com a de convocação de Constituinte para fazer reforma política. |
Entrevista:O Estado inteligente
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