Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

DORA KRAMER O avanço na crise

ESTADO

Escândalos provocam, pela primeira vez, ações para sanear o processo eleitoral

DORA KRAMER

As punições por propaganda eleitoral ilícita, os pedidos de impugnações por irregularidades nas documentações apresentadas para o registro de candidaturas e, agora, a decisão do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, de encaminhar ao exame dos procuradores regionais eleitorais a petição do deputado Miro Teixeira para que o Ministério Público reúna provas para instruir ações de impugnação de mandatos de parlamentares eleitos por abuso de poder econômico, fraude ou corrupção, são sinais de que a crise começa a propiciar avanços no processo eleitoral.

O Ministério Público assume a liderança dessa ação, que pode ser interpretada como uma reforma política não por mudança na lei, mas por alteração dos procedimentos na prática, mediante o cumprimento das normas já existentes.

O ideal seria que o Congresso e o Poder Executivo há muito tivessem se dado conta da necessidade de enfrentar o problema e, mesmo não fazendo uma reforma ampla, profunda e definitiva, que pelo menos observassem o princípio constitucional da moralidade para o exercício de mandatos públicos, atuando com lisura nas campanhas e tolerância zero na elaboração das listas de candidatos.

Os partidos sempre aceitaram todo e qualquer tipo de candidato, sem fazer distinção entre os aptos e os inaptos à vida pública, do ponto de vista da probidade, e a Justiça Eleitoral também fazia vistas grossas em relação à documentação exigida - deixava passar tudo, como de resto ainda aceita verdadeiras aberrações em matéria de folha corrida, só porque a Lei das Inelegibilidades exige trânsito em julgado para rejeitar candidaturas.

Na petição encaminhada ao procurador-geral, Miro Teixeira lança mão do parágrafo 10º do artigo 14º da Constituição, segundo o qual o mandato do eleito pode ser impugnado num prazo de 15 dias a contar da diplomação caso haja provas de ilícitos.

A jurisprudência vigente no Tribunal Superior Eleitoral é referida na Lei das Inelegibilidades, restritiva no que tange às punições.

Mas quando o procurador-geral da República acata a petição e remete à análise dos procuradores regionais eleitorais a possibilidade de se instalarem desde já procedimentos preparatórios, para que depois da diplomação as provas contra os infratores estejam prontas para instruírem ações, evidentemente ele reconhece sentido à alegação do deputado. Ou seja, admite que as impugnações são possíveis à luz da Constituição.

Se os procuradores acatarem a tese, reunirem provas (contra os sanguessugas, por exemplo, e os mensaleiros, elas existem nos processos em curso no Supremo Tribunal Federal), pedirem aos Tribunais Regionais Eleitorais as impugnações, o TSE terá de decidir e aquela jurisprudência anterior de não aceitação pode ser alterada. Esta hipótese até mesmo o procurador Antonio Fernando de Souza já admite, embora ainda não de público, pois terá de se pronunciar futuramente diante dos casos concretos.

Tudo isso forma um cenário de providências e atitudes de rigor inédito, que deixa os partidos a reboque do Ministério Público no tocante ao início do saneamento do processo eleitoral. O mais provável é que tenham de se adaptar aos novos tempos.

Há mudanças nítidas em relação a eleições anteriores.

Por exemplo, nunca se havia visto a Justiça Eleitoral agir com rigor na aplicação de sanções à propaganda antecipada ou irregular, porque o Ministério Público também nunca havia sido tão rigoroso. Talvez porque a situação nunca tenha se apresentado tão grave como atualmente, com a explicitação da atuação de uma imensa quadrilha dentro do Parlamento com ramificações no Poder Executivo.

Não se pode dissociar do todo o detalhe dos pedidos de impugnação de candidaturas de gente conhecida como Antonio Palocci, João Paulo Cunha e Paulo Maluf. Nenhum deles foi notificado por causa das acusações que enfrentam ou enfrentaram, mas porque foram lenientes na apresentação de documentos exigidos.

Palocci apresentou dois números de CPF, João Paulo não apresentou quitação de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral e Maluf teve problemas na declaração de renda, na quitação de multas, na relação de bens e deixou de apresentar comprovante de escolaridade.

Muito provavelmente vão regularizar a documentação, assim como farão outros candidatos contestados. Mas só o fato de exibirem displicência com os respectivos registros já demonstra como não havia rigor nas exigências, das mais leves às mais graves, formando-se um quadro geral de leniências que, somadas à delinqüência, foram aos poucos comprometendo o processo eleitoral e contaminando o exercício da política.

O Ministério Público, portanto, começa a fazer a sua tarefa e seria de todo conveniente que a Justiça, os partidos, o Congresso, o Executivo e a sociedade assumissem também as partes que lhes cabem nesse latifúndio da desinfecção e descriminalização da atividade política, a essência da democracia.

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