Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 02, 2006

Dora Kramer - Impávidos colossos



O Estado de S. Paulo
2/8/2006

O silêncio de Renan e Aldo Rebelo é inversamente proporcional ao barulho do escândalo

O Congresso anda quase ateando fogo às vestes por causa do conjunto da obra, agora em fase de "grand finale" com o escândalo dos sanguessugas, e os presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros, seguem impávidos colossos, silentes como se o problema não fosse com eles.

O deputado Aldo Rebelo ainda falou um pouco mais. Na semana passada deu para ouvir sua voz defendendo "apuração rápida e rigorosa". O senador Calheiros, entretanto, nem a indignação de praxe demonstrou.

Exímio na movimentação de bastidor, atento à atuação do relator da CPI dos Sanguessugas, seu companheiro de PMDB Amir Lando, o presidente do Senado não exibiu ainda a mesma presteza para comentar, e quem sabe até avaliar, a maior crise moral em que já se viu envolvido o Parlamento na sua conexão mais direta com o Poder Executivo: o orçamento da União.

A retomada dos trabalhos normais esquentou o clima, sobretudo no Senado, onde parlamentares da tribuna, do plenário e até ocupantes ocasionais da presidência abandonaram a habitual fidalguia no trato e estranharam-se vigorosamente, indo aos limites da troca de desaforos.

Para se ter uma idéia, o senador João Alberto presidia a sessão quando acusou o senador Almeida Lima, que cobrava providências da corregedoria da Casa, de "jogar para a platéia"; o senador Tasso Jereissati irritou-se com o senador Eduardo Suplicy a ponto de lhe negar um aparte, caso pretendesse "dizer bobagens".

A ferida se esgarça, o escândalo provoca cada vez mais barulho, mas os presidentes das duas Casas do Congresso, na proporção inversa, calam-se, encolhem-se. Ambos estão a dever pronunciamentos institucionais a respeito do tema e, não demora, serão cobrados por seus pares explicitamente.

Renan e Aldo Rebelo são os únicos até agora a aparentemente não se darem conta da gravidade dos episódios em cartaz, como se habitassem outro país.

Ontem, os plenários das duas Casas ouviram pronunciamentos o dia todo: ora de acusados buscando defesa, ora de parlamentares não citados pedindo alguma providência, pois, percebem, o barco afunda com todos juntos.

Inclusive suas excelências, os comandantes.

Uma posição firme e clara de Aldo Rebelo e Renan Calheiros seria indispensável, mais não fosse para que se redimam de atitudes anteriores.

O presidente do Senado, como se sabe, tentou impedir a instalação da CPI alegando motivo fútil - um defeito técnico na elaboração do texto do requerimento de criação da comissão de inquérito - e invocando o fato de ser desnecessária a ação do Parlamento, pois o caso já estava com a polícia, a Justiça e o Ministério Público.

Se prevalecesse sua posição, os fraudadores do orçamento ainda estariam protegidos pelo segredo de Justiça ou, no máximo, tendo seus nomes divulgados pela imprensa por conta de "vazamentos" que estariam sendo, estes sim, condenados como crimes de lesa-pátria.

Embora não tivesse atuação contrária tão ativa, o presidente da Câmara num primeiro momento rendeu-se ao corporativismo. Quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Sanguessuga, e com ela saíram as primeiras informações sobre pagamento de propina a deputados, dois integrantes da Mesa já constavam da lista.

Ainda assim, não foram sequer admoestados. João Caldas e Nilton Capixaba só pediram afastamento dos postos depois que a CPI passou a existir e assim exigiu. Aí o presidente da Câmara deixou de reunir a Mesa até que os dois denunciados tomassem a iniciativa de se afastar.

Tivesse prevalecido a decisão do arquivamento da CPI, João Caldas e Nilton Capixaba ainda estariam no exercício da direção da Câmara dos Deputados, não obstante a suspeição fosse de pleno conhecimento das Casas e de suas direções.

Fala-se em esperar a conclusão das investigações a fim de não cometer injustiças. Mas até lá avilta-se a paciência do eleitor, enxovalha-se a instituição e, com ela, o exercício da política e a reputação de todos os políticos, muitos dos quais homens e mulheres de bem.

Com sua omissão, os comandantes do Congresso não contribuem para melhorar as coisas. Ao contrário, só acentuam a desmoralização do Poder quando - por covardia ou precisão - ficam quietos sem dizer o que pensam, recolhidos como quem espera embaixo da cama a tempestade passar.

Atraso providencial

O fracasso da tentativa do presidente do Conselho de Ética de mudar os prazos do regimento para apressar os processos dos acusados pela CPI dos Sanguessugas pode não ter sido um mau negócio do ponto de vista da punição.

Se os acusados fossem enviados ao julgamento do plenário nos próximos meses, a expectativa seria de absolvição.

Por falta de quórum ou por coleguismo. São tantos os envolvidos que se cada um conseguisse o voto de dois amigos a cassação ficaria matematicamente impossível. Melhor, então, deixar uma primeira triagem a cargo das urnas e levar o restante a julgamento na próxima legislatura.

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