Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 17, 2006

DEMÉTRIO MAGNOLI Encontro em Teerã

FOLHA
 A CORRENTE "revisionista" que se ocupa da negação do genocídio nazista dos judeus e dos ciganos tem, entre seus intelectuais, admiradores fervorosos de Hitler e, naturalmente, faz sucesso nos círculos neonazistas. Mas, ao contrário do que se imagina, ela adquiriu força e dinamismo pela ação obstinada, desde 1978, de uma seita francesa de extrema esquerda. O grupo radical reuniu-se em torno de La Vieille Taupe, uma editora cujo nome inspirou-se na metáfora de Marx sobre a toupeira que mina o solo do capitalismo. La Vieille Taupe chegou ao negacionismo por uma via curiosa. A seita rejeitava a singularidade histórica do nazismo, interpretando-o como apenas uma variante banal do sistema capitalista. A premissa "teórica" tinha por corolário a noção de que os campos de extermínio "deviam" ser, na verdade, "campos de exploração do trabalho", pois o genocídio não podia gerar lucro. Essa tese, desligada da investigação histórica, tornou-se a fonte de inúmeras obras "históricas" dedicadas a contestar as evidências do Holocausto. O "revisionismo" do Holocausto é um pátio ideológico onde a extrema esquerda e a extrema direita se encontram. A interação, que se intensificou desde o 11 de setembro de 2001, opera sobre duas matrizes comuns: o ódio ao "judeu cosmopolita", atualizado como ojeriza à globalização, e o ódio a Israel, apresentado como unidade avançada dos EUA no mundo árabe-muçulmano. A exposição de charges sobre o Holocausto inaugurada no Museu da Palestina, em Teerã, sob patrocínio quase-oficial, é uma perversão bárbara, mas não deixa de ter utilidade, pois oferece pistas sobre os rumos do pacto político entre os extremistas. Entre as obras selecionadas, uma síntese do que o regime iraniano quer mostrar, algumas limitam-se ao óbvio entediante, figurando a "inexistência" do genocídio. Mas a maioria vai além do cânone do presidente Ahmadinejad, opta pelo óbvio militante e propõe paralelos entre o nazismo e Israel e entre a opressão dos judeus e a dos palestinos. A visita de Hugo Chávez ao Irã, na qual o venezuelano anunciou uma parceria política e ideológica com Ahmadinejad, encontra expressão "artística" na exposição. A negação vulgar do Holocausto alia-se à "normalização" da Alemanha nazista, que deixa de ocupar um lugar histórico singular para "reencarnar" em Israel e nos EUA. La Vieille Taupe e os novos radicais de esquerda são frutos da mesma árvore filosófica. O empreendimento comum de "normalização" do nazismo deriva da repulsa compartilhada pela democracia. É por isso que os olhos deles, depois de Moscou, Pequim e Havana, voltam-se agora para Teerã.

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