Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 15, 2006

Celso Ming - Abrir ou morrer





O Estado de S. Paulo
15/8/2006

Édifícil identificar na história da produção brasileira setor mais protecionista do que foi até agora a indústria automobilística. Desde seus primórdios, nos anos 50, arrancou do governo, com apoio dos sindicatos, um mundaréu de vantagens: reserva de mercado, subsídios, créditos favorecidos, preços favoráveis (quando havia política de preços) e, principalmente, barreiras alfandegárias altíssimas que contivessem intrusos.
Hoje, o importador de veículos tem de recolher à Receita Federal 35% sobre o preço de importação, o que é como dar ao governo 1 carro a cada 2,9 importados.
Por acordo anterior no âmbito do Mercosul, essa tarifa (uma das mais altas do mundo) deveria ter sido reduzida gradualmente a partir do ano 2000. Mas, de lá para cá, a própria indústria fez de tudo para mantê-la nos 35% e, dessa maneira, impedir ou dificultar a concorrência do importado. É por isso que deve ser entendido como importante reviravolta o apelo que a vice-presidente da Anfavea e diretora de Assuntos Corporativos da Volkswagen, Elizabeth Carvalhaes, fez no primeiro Congresso de Autopeças do Mercosul, realizado semana passada em Punta del Este, Uruguai. Ela alertou que o Mercosul precisa cortar gradativamente em 10 pontos porcentuais a atual tarifa do Imposto Sobre Importações. "Ou é isso ou é a morte do setor", disse ela - embora essa opinião ainda seja polêmica.
Quem conhece sabe que esta não é uma arenga livre-cambista. É um grito de sobrevivência de quem toma conhecimento de que os países emergentes da Ásia e da Europa Oriental estão investindo, preparam-se para produzir a custos mais baixos e têm tudo para empurrar a indústria brasileira para escanteio.
Em outras palavras, milhões de quilômetros depois de sua criação, a indústria automobilística finalmente entendeu que é preciso conquistar mercado externo. Para garantir exportações, é preciso ter acesso aos mercados. Para ter acesso aos mercados, é preciso fechar acordos comerciais com países compradores de veículos. E, para fechar acordos comerciais, é preciso dar reciprocidade, ou seja, é preciso derrubar as tarifas alfandegárias internas.
No ano passado, o presidente da General Motors do Brasil, Ray Young, advertia que, em cinco anos, o mercado brasileiro corre o risco de ser tomado pelos veículos made in China. Mas esta é apenas uma parte do estrago potencial. Chineses, coreanos e produtores da Europa Oriental estão comendo ou ameaçam comer o mingau brasileiro pelas beiradas, ou seja, pelo mercado externo. Apenas as exportações de veículos já correspondem a 21,7% do faturamento líquido do setor.
Perder esse mercado seria apenas o início da agonia.
Este não é um problema exclusivo do setor automobilístico. Virtualmente, toda a indústria brasileira está enfrentando ou está na iminência de enfrentar esta ameaça. Setores inteiros, como o de calçados, móveis, máquinas e têxtil, sentem na pele o problema da perda de competitividade.
Por enquanto, vão perdendo mais mercado externo do que interno. Acham eles que o inimigo é o câmbio adverso, que dá em troca cada vez menos reais por dólar faturado no exterior. Esta é só uma pequena parte da encrenca.
Mais grave é, outra vez, o fato de que os chineses estão tomando mercado externo da indústria brasileira. Nem uma eventual desvalorização do real, cada vez mais improvável, será capaz de reverter a tendência.
Não haverá virada do jogo sem modernização da indústria, incorporação de tecnologia, aumento da produtividade, redução dos juros e da carga fiscal. Como não haverá redução dos juros e da carga fiscal sem queda das despesas públicas, está claro que o buraco fica em outra latitude.
Isso exige mudança de mentalidade. Solução cambial só resolve problema cambial. Até agora, a indústria sempre pediu mais câmbio para compensar o alto custo Brasil. Ela precisa entender que problema de alto custo Brasil só se resolve com redução do custo Brasil. 

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