Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 20, 2006

Alberto Tamer Todos são protecionistas. Até nós

O ESTADO
Todos são protecionistas. Até nós


Por que tanto protesto e movimentação contra a possível - para mim quase certa - exclusão do Brasil do Sistema Geral de Preferência dos Estados Unidos? A iniciativa é do Congresso, onde os parlamentares querem proteger seus eleitores.

A representante comercial americana, Susan Schwab, que por aqui, diplomaticamente não endossou a proposta, mas disse ser bem possível que isso aconteça, não só com relação ao Brasil, mas com outros países também. O ministro Furlan - coitado, apanha tanto do pessoal da Fazenda que nem sei como ele agüenta... - afirmou que essa seria uma decisão ruim para as relações bilaterais, e no Itamaraty devem estar afirmando, “viu, nós não dissemos que não podemos confiar nos americanos? Não estávamos certos em acabar com a tal de Alca?”

E, lá na Venezuela, cujo comércio com os Estados Unidos aumenta fortemente, o generalíssimo Hugo Chávez deve ter mandado um recado ao presidente Lula, dizendo que os americanos são assim mesmo.

Mas parece que, em Brasília, ninguém parou para fazer contas e pensar. Vamos então fazer isso pelos nossos 23 ministros, usando única e estritamente dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento, do próprio Furlan?

1 - Quanto exportamos no ano passado para os Estados Unidos? Segundo o ministério, US$ 22,7 bilhões.

2 - Quanto os Estados Unidos importaram do mundo todo, incluindo serviços? Segundo o ministério, US$ 2 trilhões.

3 - Qual foi nossa participação nas importações americanas? Segundo o ministério, 1,14%.

Não é fabuloso?

Agora passamos para a parte mais importante, que causou furor em Brasília e nas cavernosas esquerdas (na era da globalização ainda existe isso de esquerda e direita?).

1- Dos US$ 22,7 bilhões que exportamos, qual o valor dos produtos que entravam pela porta até agora aberta, que eles querem fechar, do Sistema Geral de Preferência? Não se assustem: US$ 3,6 bilhões. Isso representa 15,8% das exportações nacionais para o mercado americano.

2 - Quanto os exportadores brasileiros ganharam, no ano passado, com o tal sistema que oferece benefícios tributários? US$ 128 milhões. Ou seja, US$ 128 milhões nas exportações protegidas pelo sistema de US$ 22,7 bilhões!

É preciso dizer mais? É preciso encher a cabeça do leitor com mais números para mostrar que a exclusão do Brasil do sistema de preferência está longe de ser dramática, de se constituir num contencioso diplomático como alguns pretendem. Até mesmo a inteligente economista Eliana Cardoso, que admiro tanto, em seu último artigo no jornal Valor Econômico?

NÃO CONFIEMOS NOS EUA...

As críticas à posição americana surgiram de todos os lados - o que é ótimo para o presidente que disputa a reeleição. Temos um real eleitoralmente valorizado e estamos nos defrontando com a maior potência econômica mundial cuja política comercial protecionista, ainda Eliana Cardoso, “parece alimentar disputas entre os países ao invés de uni-los”.

Ela fala tanto no protecionismo americano que até esquece que o europeu é bem maior. A origem do nosso escasso e minguado crescimento econômico, não está lá fora, mas aqui dentro, na burocracia oficial, segundo o próprio Furlan.

Ele lembrou outro dia em entrevista à colega Sonia Racy que o tal programa de prioridade total para resolver o estrangulamento dos portos avançou apenas 50% após dois anos...

... NEM EM NINGUÉM

Os dados oficiais de todos os organismos internacionais mostram que os países desenvolvidos são protecionistas. E os emergentes também, incluindo o Brasil! Na questão comercial, não podemos confiar nos Estados Unidos e muito menos na União Européia, na China e no Japão. Eles ganham nas negociações porque sabem se defender, nós perdemos porque não sabemos negociar.

O que falta, como têm dito em amplas entrevistas à imprensa vários ex-embaixadores de primeira linha, agora livres das amarras do Itamaraty, é habilidade para negociar e escolher parceiros.

Por isso, Doha morreu, foi enterrada e, como dissemos, não recebe visitas. Só nós continuamos acreditando nela. E vamos visitar seu túmulo em mais uma reunião, em setembro, na Austrália, na qual o Brasil põe grandes esperanças.

EFICIÊNCIA É A ARMA

E, aqui, o setor privado brasileiro está dando uma lição maravilhosa ao governo. Apesar de todo o protecionismo externo e dos empecilhos internos (juros, impostos embutidos, real artificialmente valorizado, infra-estrutura esfrangalhada), os empresários brasileiros continuam aumentando suas exportações.
Muitos setores têm se mostrado competitivos, aproveitando-se, é verdade, da expansão do comércio mundial, com protecionismo e tudo. Mas esse êxito se resume apenas a alguns poucos setores de grandes empresas e aos preços elevados das commodities.

Desde o ano passado, e agora, principalmente com a saída do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, estamos destruindo o setor que mais crescia e mais sustentava o superávit comercial, a agroindústria. E vamos sentir mais isso no próximo ano, quando a economia mundial decididamente irá recuar e o comércio mundial também.

As associações industriais, comerciais, agrícolas, os economistas, a imprensa, enfim, todo mundo está mostrando o caminho, mas em Brasília só se comemora o aumento das exportações sem dizer, sem mencionar, sem lembrar que este imenso País que tem terras ociosas, indústrias capazes de competir no exterior, representa pouco mais de 1% do comércio mundial. E foi um grande progresso, pois antes era 0,9%...
Você, leitor desta coluna, já sabe disso, mas não pode, como os empresários brasileiros, fazer nada.

ATÉ NÓS...

E nós ficamos culpando o protecionismo dos outros, como se fosse deles a culpa do nosso atraso. Somos protecionistas também. A nossa abertura comercial medida pela relação PIB/comércio exterior é de apenas 36%. Podemos ser considerados, como eles nos consideram, um país protecionista e fechado também. A diferença é que continuamos a manter teimosamente legislações e regras superadas, que eles aboliram há muito tempo. Os atrasados somos nós.

*E-mails: at@attglobal.net

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