VEJA on-line
Um olhar sobre os anúncios que têm os jogos como tema e os jogadores
como protagonistas
Técnico da seleção brasileira não tem paz, como se sabe. Sorte de
Carlos Alberto Parreira, que é associado da Golden Cross. "Com a
Golden Cross a meu lado fica mais fácil", diz ele, a feição revelando
o milagre de conservar-se sereno como monge budista no ambiente
conflitado do futebol. O banco Santander exibe um time de clientes de
deixar a concorrência aplastrada – Ronaldo, Ronaldinho, Kaká,
Robinho, Cafu... Os mais incrédulos dirão que isso é insuficiente
para provar a excelência dos serviços bancários prestados. Hão de
convir, no entanto, que, se houver entre os bancos um campeonato de
times formados pelos respectivos clientes, o Santander é favorito
absoluto. Entre as telefônicas, o jogo é duro: Ronaldinho é Oi,
Robinho é Vivo. A Vivo conta igualmente com Parreira, e ultimamente,
numa espetacular ofensiva, somou a seu elenco os técnicos Vanderlei
Luxemburgo e Emerson Leão. Sobra uma dúvida, velha como o futebol:
técnico ganha jogo?
Muitos jogos da Copa têm se arrastado previsíveis e sonolentos, mas
no intervalo... Ah!, no intervalo a bola rola animada como em decisão
de campeonato. Não deve haver evento, no mundo, que congregue os
anúncios em torno de um só tema como o Mundial de futebol. Até o
astronauta brasileiro – alguém se lembra dele?... Aquele que depois
de um passeio pelo espaço deu um chute na carreira militar para ficar
mais disponível às oportunidades –, até o astronauta brasileiro
aparece, num comercial da Aracruz, ensaiando uma embaixadinha, tão
pífia quanto suas funções a bordo da Soyuz. Entre os jogadores,
Ronaldinho Gaúcho é o mais sobrecarregado. Defende as cores do
Santander, do desodorante Rexona, da Kibon, da Pepsi-Cola, do
Gatorade, da Nike e do Oi. Os produtos e marcas a vender são mais que
o dobro dos clubes cuja camisa envergou – Grêmio, Paris Saint-Germain
e Barcelona.
O campeonato dos comerciais tem momentos intrigantes. O festejado
anúncio do guaraná Antarctica em que Maradona aparece com a camisa
amarela, cantando o hino com os jogadores brasileiros, rendeu mais um
momento de glória a seu criador, Duda Mendonça. Foi seu maior
triunfo, depois das contas secretas que tanto lhe abalaram o
prestígio. Mas, bem analisado, o que diz o anúncio? Maradona, depois
da cena inicial, em que, ao lado de Ronaldo e de Kaká, entoa "e o sol
da liberdade em raios fúlgidos", acorda e... "Caramba", diz. "Que
pesadelo!" Ele atribui o sonho mau ao fato de estar bebendo muito
guaraná Antarctica. Não há como fugir à conclusão de que o guaraná
Antarctica dá pesadelos.
No anúncio do desodorante Rexona, uma mão misteriosa surrupia o
desodorante de Ronaldinho na hora em que, banho tomado, ele se
preparava para usá-lo. Impõe-se aí uma primeira surpresa: por que
diabos alguém roubaria um desodorante? O fato é que roubou, e sumiu
com o produto com a desenvoltura com que o Ronaldinho dos gramados
some com a bola. A segunda surpresa é o empenho feroz, alucinado
mesmo, com que o craque corre atrás do desodorante, a ponto de, não
encontrando o seu, perseguir um caminhão de distribuição do produto
até o armazém em que é estocado. Que proeza mais insólita! Que
exemplo de dedicação a um singelo tubo de desodorante!
Não se devem interpretar os anúncios literalmente, dirão. Busquemos
então outros ângulos. A Coca-Cola exibe o slogan "Todos e tudo loucos
pelo Brasil". Aqui o que se põe em xeque é a sinceridade do
anunciante. Na Argentina, a Coca-Cola certamente dirá que tudo e
todos são loucos pela Argentina, na Itália, que são loucos pela
Itália. Pérfida Coca-Cola! Hipócrita como mulher de múltiplos amores.
O McDonald's, que, como a Coca-Cola, tem origem nos EUA e vocação
global, foi buscar um hit de 1958 (A Taça do Mundo É Nossa) para
proclamar seu entusiasmo pelas conquistas futebolísticas.
Considerando que no país de origem da famosa fabricante de
hambúrgueres se gosta mesmo é de beisebol, fica-se a duvidar de sua
paixão pelo futebol. Considerando sua vocação global, recebe-se com
reservas seu endosso à afirmação de que "com brasileiro não há quem
possa".
A Skol apresenta-se com duas peças de estrutura semelhante. Numa
delas, num jogo entre Brasil e Argentina, as traves deslocam-se
continuamente, por magias que só a cerveja que desce redondo é capaz
de operar, de forma a evitar que entrem no meio delas os chutes dos
argentinos e para fazer com que, ao contrário, os brasileiros acertem
sempre o alvo. Na outra, os argentinos, por força de outra mágica,
precipitam-se, em carrinhos desastrosos, para fora do gramado – um
direto em direção aos vestiários, outro em direção aos repórteres
atrás do gol... Nos dois anúncios, os brasileiros ganham não graças a
sua superioridade no jogo, mas porque ludibriam os adversários. Como
observou o colunista Clóvis Rossi, na Folha de S.Paulo, os anúncios
da Skol são um monumento à malandragem brasileira. Eles constituem
uma oportuna homenagem ao país do mensalão. Já sob o critério da
observância das regras, descem quadrado, quadrado.