Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 17, 2006

O rato está rugindo :EDITORIAL DO Estado


Os discursos do coronel Hugo Chávez são invariavelmente longos -
embora não tanto quanto os de seu ídolo, Fidel Castro - e seguem a
linha típica dos governantes autoritários e populistas que invocam um
inimigo externo ou uma ameaça interna para anunciar medidas de coação
de seus adversários políticos ou de pura supressão de liberdades. Na
quarta-feira, o presidente fardou-se para fazer arengar diante da
tropa formada no pátio do Ministério da Defesa.

Aproveitou a ocasião da entrega dos primeiros fuzis Kalashnikov
AK-103 dos 100 mil comprados à Rússia para anunciar que não renovará
as concessões das emissoras de televisão que, ainda independentes,
criticam o seu governo. "Não podemos ser tão irresponsáveis a ponto
de continuar dando concessões a um pequeno grupo de pessoas para que
usem emissoras de televisão, num espaço de transmissão que é do
Estado, contra nós e debaixo de nossos próprios narizes, como quinta
coluna." E completou: "Não dou nenhuma importância ao que dirão os
oligarcas do mundo (...) porque eles se escudam em uma suposta
liberdade de expressão."

Se, de fato, Hugo Chávez calar as emissoras que o criticam, terá dado
um passo decisivo para concretizar o seu projeto de poder - poder
absoluto, obtido sempre por meios legais, usando as reconhecidas
fragilidades do sistema democrático para tornar-se um ditador, tal
como fez Hitler. Ele já controla o Judiciário e o Legislativo e a
maioria dos Estados.

Resta-lhe a oposição de uns poucos jornais e emissoras de rádio e
televisão, que já não contam com garantias iguais às que, nos países
democráticos, são asseguradas para a livre manifestação do
pensamento. Na Venezuela bolivariana vigora uma lei que submete a
severas penas os jornalistas e as empresas que não cumprirem o "papel
social" da imprensa - ou seja, que ousem criticar o autocrata. Ele
também reformou o Código Penal para punir, com penas que chegam a 7
anos de prisão, qualquer pessoa que "fale mal" do presidente da
República, mesmo que não seja através da mídia. As leis de defesa da
concorrência também têm sido usadas para calar, com multas
expropriatórias, empresas jornalísticas impertinentes.

Agora, ele abre nova frente contra a liberdade de expressão,
ameaçando as emissoras com a não renovação das concessões. Para
manter as aparências de defensor da democracia, veste a fantasia de
patriota: irá àquele extremo porque as emissoras que o criticam
dividem os venezuelanos e são pagas pelo "império" - como ele se
refere aos EUA.

É esse o pretexto para perpetuar-se na presidência, com poderes
extraordinários: a pátria está ameaçada pela maior potência
imperialista do planeta, que ambiciona as riquezas minerais da
Venezuela. Hugo Chávez não perde oportunidade para dizer que está
ameaçado de morte e que os EUA invadirão a Venezuela.

Na entrega dos fuzis AK-103 aos soldados, não foi diferente. As
armas, segundo ele, serão usadas para repelir os invasores. Os fuzis
que ainda serão entregues serão distribuídos para os membros de uma
milícia - que já tem cerca de 100 mil homens e deverá atingir 1
milhão. Venezuelanos entre 18 e 70 anos recebem, nos fins de semana,
adestramento militar e um estipêndio equivalente a US$ 7,40,
submetendo-se ainda à doutrinação bolivariana.

O coronel Hugo Chávez militariza a sociedade venezuelana, e não
descuida da aquisição de meios mais modernos para a defesa da pátria
"ameaçada" pelos EUA. Durante a entrega dos fuzis, anunciou que seu
país receberá, em breve, os primeiros caças Sukhoi S-30, do lote de
24 que comprou na Rússia. Como os EUA fizeram manobras navais no
Caribe - operações há muito programadas e destinadas a treinar o
combate ao narcotráfico e à imigração ilegal -, consideradas por
Chávez uma ameaça à Venezuela, o autocrata não perdeu a ocasião.
Comunicou à platéia que o novo avião, na segurança do espaço aéreo
nacional, tem capacidade para lançar um míssil contra um porta-aviões
americano que se encontre ao largo do Porto de La Guaira. É a própria
encarnação do "Rato que Ruge". Seria cômico, se não fosse trágico.

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