Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 01, 2006

Míriam Leitão - E eles não sabem




Panorama Econômico
O Globo
1/6/2006

O mundo econômico está cada vez um lugar mais imprevisível. Na maior economia do planeta, o poderoso órgão de autoridade monetária divulgou um aguardado comunicado. Todo mundo esperava saber afinal para onde a economia iria. E ele, o Fed, disse textualmente que não sabe e que até ficou em dúvida se deveria aumentar os juros em 0,5 ponto percentual ou não aumentar. Na dúvida, ficou no meio.

Já no Brasil, as notícias confirmaram as previsões. O PIB foi o que a maioria do mercado esperava. Não houve surpresa, a não ser em um ou outro detalhe. Sobre a taxa de juros brasileira, a dúvida é o que vai acontecer daqui para a frente. Tem economista afirmando que pode ser o último corte do ano. Mas há quem acredite que novos cortes virão até porque, convenhamos, uma taxa de juros de 15,25% — para uma inflação em 12 meses que deve ficar, com o dado de maio, em 4,3% — é muito alta.

O Fed, do qual se esperava alguma definição, disse que ainda não sabe muito bem como vão as coisas e que ficará de olho no fluxo de informação. Ora, de olho, ficamos todos. Resumo da história: provavelmente — até pela confissão de dúvida do Fed — o mercado continuará volátil. Há uma série de indicadores da economia americana para sair nas próximas semanas e cada um será considerado essencial, dependendo do grau de ansiedade. Com medo de ter novas perdas, os investidores ficarão atentos a cada número.

No Brasil, as notícias são boas, apesar da reclamação de sempre sobre o corte pequeno nos juros. Meio ponto lá fora é muito; aqui dentro, não. O número divulgado para o PIB do primeiro trimestre mostra que o país está crescendo a um ritmo de 5,7%, o que não significa, obviamente, que crescerá tudo isso. Nos próximos trimestres, deve reduzir o ritmo e espera-se que feche o ano perto de 4%. Há quem tenha visão mais pessimista. O BC projeta 4% e algumas instituições têm revisto suas projeções para mais perto disso.

Tudo é muito incerto pois até o ritmo da atividade econômica pode ser afetado pela instabilidade no mercado financeiro. Se o sinal for de dólar em alta, muitos importadores podem antecipar compras; exportadores, adiar vendas. Nos setores em que os insumos são dolarizados, os fornecedores podem acabar segurando o produto à espera de preços melhores.

Se a volatilidade permanecer por muito tempo, certamente afetará o dólar, que vai pressionar a inflação e pode segurar novos cortes de juros. Por mais que se diga que mercado é especulativo e que economia real lida com outras variáveis, a verdade é que a incerteza no mercado financeiro contamina as decisões tomadas por empresários de todas as áreas.

A próxima reunião do Fed será no fim de junho; 28 e 29. Uma opinião comum no mercado é que, com esta ata, é possível que a instabilidade continue até a próxima reunião. Os dados divulgados mostram que está havendo uma desaceleração na alta dos preços dos imóveis nos Estados Unidos, mas não tão rápida que possa produzir um estouro da bolha. Há sinais de que a economia continua forte e que os indicadores de inflação estão um pouco altos, mas não muito.

Um presidente do Fed novo demonstrando insegurança, um comunicado que confessa que a própria autoridade monetária americana está em dúvida sobre a conjuntura econômica não é nada favorável a um ambiente como o atual. Pode alimentar a busca por ativos mais seguros, nos quais os investidores esperariam o cenário ficar mais claro.

O economista José Júlio Senna, da MCM Consultores, acha que o tom da ata, apesar de confuso, não é de todo ruim, porque ela não diz que os juros voltarão a subir e ainda avisa que pode estar havendo uma desaceleração no mercado de imóveis. Todo ponto é este: saber como foi a valorização dos imóveis que segurou o consumo americano nos últimos tempos. A dúvida é se os preços vão cair suavemente ou abruptamente. No primeiro caso, a economia faz um pouso suave. No segundo, despenca. Para Alexandre Póvoa, do Banco Modal, a ata americana deixa muitas dúvidas, não tem qualquer definição e mostra que eles cogitaram vários cenários possíveis para a taxa de juros.

No Brasil, os dados do PIB mostraram que a economia cresce puxada pela indústria e pelo investimento. Que a agricultura está em recessão e que as importações estão crescendo mais do que as exportações, ou seja, depois de um bom tempo em que o comércio exterior entrava na conta com sinal positivo, agora ele está entrando com sinal negativo. A notícia boa embutida aí é que o consumo doméstico é que está puxando a economia brasileira.

Os dados mostram que houve uma recomposição dos estoques e, assim, a produção cresceu mais do que a demanda. Isso mostra que o ritmo será reduzido nos próximos meses. Neste 2006, o salário-mínimo maior, o aumento da massa salarial, os gastos de um ano eleitoral estão aumentando o consumo. Neste começo de ano, ajudou também a antecipação dos investimentos públicos.

Tudo somado e dividido, o fato é: o sobe-e-desce vai continuar; a economia brasileira vai bem, mas pode acabar sendo afetada pelos ventos externos se eles forem muito fortes. Há uma chance de que não sejam, mas o mundo não é mais a calmaria que foi nos últimos três anos. O avião está atravessando uma área de turbulência e o piloto novo — leia-se Ben Bernanke — não tem a malícia e a destreza do velho — leia-se Alan Greenspan.

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