O Globo |
1/6/2006 |
Comentando o ataque do crime organizado em São Paulo, o presidente Lula disse na ocasião uma frase que define bem a maneira predominante de fazer política no país. "Não é culpa do governo federal, não é culpa do governo estadual, a culpa é da sociedade", disse o presidente, seguindo o caminho da crítica do governador Cláudio Lembo — que mais parece uma autocrítica — que culpou a "elite branca perversa" pela tragédia social em que estamos mergulhados. Afora o fato de que o presidente Lula emprega com sucesso a tática de nunca assumir qualquer culpa pelos problemas que surgem, atribuindo sempre a responsabilidade a terceiros, como se ele não tivesse sido eleito porque prometeu resolvê-los, é o caso de se perguntar: a culpa é da sociedade por que elegeu tais políticos para representá-la? O cientista político Nelson Paes Leme compara o "mandato privado" que se dá a um advogado para nos representar, através de uma procuração, ao "mandato público" outorgado pelo voto na eleição. "A diferença técnico-jurídica entre mandato privado e mandato público é mínima. Seus efeitos jurídicos são os mesmos: os da representação do outorgante pelo outorgado, muitas vezes para objetos inespecíficos e muito amplos, em ambos os casos", explica Paes Leme. Para ele, "o descaso com que o eleitorado, por pura desinformação, trata o mandato público, e a seriedade e atenção com que trata o privado, estabelece uma inaceitável desproporcionalidade entre os dois, especialmente se analisarmos a abrangência das ações do mandatário público". O mandato público, lembra, dá ao mandatário o poder de legislar em praticamente todas as esferas do conhecimento humano, em nome do outorgante, o eleitor. "Manipula orçamentos milionários da coletividade, direcionando-os para as prioridades que bem entende e tendo como único limite textos regimentais, na maior parte das vezes do total desconhecimento por parte do outorgante-eleitor e manobrados ao bel-prazer pelos outorgados-eleitos". Em grande parte, a desinformação do eleitorado deve-se a um sistema partidário que favorece a pulverização dos votos, e a um sistema eleitoral que estimula o voto personalista, em detrimento da legenda partidária. Temos 27 partidos políticos em atividade, sendo que 17 com representantes na Câmara dos Deputados, desde o minúsculo Partido Trabalhista Cristão (PTC), que tem apenas um deputado federal. A partir das eleições deste ano, porém, com a adoção simultânea das cláusulas de barreira e da verticalização, a tendência é a negociação dentro da Câmara ficar mais organizada, e a atividade política que conta ficar restrita a cerca de meia dúzia de partidos políticos, com mais unidade programática. Mesmo a federação de partidos, um subterfúgio incluído na legislação para ajudar os partidos a superar as barreiras, exigirá uma atuação conjunta de seus membros, o que lhes dará maior coerência. É claro que sempre existirá espaço, e que espaço, para partidos como o PMDB, em si uma conjunção de partidos regionais, que não têm unidade interna para escolher um candidato que o represente na disputa presidencial, mas tem tamanho para ser indispensável a qualquer governante. Mas mesmo o PMDB será levado a buscar maior homogeneidade em suas fileiras, com o jogo partidário restrito a poucos partidos. Os partidos que não conseguirem atingir o mínimo de votos exigido pela lei, ou seja, 5% da votação nacional, sendo que 3% em pelo menos nove estados, não terão direito a líder no plenário, não participarão das comissões legislativas, não poderão compor a mesa diretora, perderão o direito ao Fundo Partidário e o direito ao tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão durante o ano. A perda do Fundo Partidário não será um prejuízo para as legendas nanicas, pois 97% dele é dominado pelas legendas mais fortes. Os pequenos partidos, quando recebem, ficam com pequenas fatias, como o PSOL que recebeu pouco mais de R$ 8 mil e o PCB, com cerca de R$ 2.500. Mas será um baque para partidos que não estão seguros de cumprirem as regras, como PTB e o PSB, que receberam ano passado pouco mais de 5% do fundo, o equivalente a mais de R$ 6 milhões para cada um. Ou para um partido de porte médio e muito poder político como o PCdoB, que recebeu quase R$ 800 mil, e o Partido Verde, que ganhou mais de R$ 500 mil. Mas a perda do horário gratuito de rádio e televisão durante o ano praticamente inviabilizará as pequenas legendas, muitas delas de aluguel, que vivem de explorar politicamente os dois minutos anuais que recebem. Partidos de importância política, mas poucos votos, como o PPS, o PCdoB e o PL, perderão dez minutos anuais. Na teoria, os políticos que conseguirem se eleger por legendas que não cumprirem as novas regras, continuarão a ter o poder de seu voto individual na Câmara, mas perderão o poder político de barganhar pois não poderão influenciar decisões importantes nas comissões, não poderão participar de CPIs — e, portanto, não poderão convocá-las. Não participar da composição política para a Mesa da Câmara é perda de poder real, que se refletirá no enfraquecimento das legendas não representativas nas negociações internas. Serão, na verdade, párias dentro do Congresso, sem respaldo político para suas ações, para o bem e para o mal. Já existe um movimento intenso de prefeitos e vereadores de partidos ameaçados de não cumprir as metas pressionando as direções partidárias por fusões ou coligações partidárias nas eleições deste ano. Com essas restrições, é previsível que as legendas que não atingirem os índices mínimos desapareçam, por fusão com outros partidos ou mesmo por falta de interesse dos políticos eleitos em continuar em suas fileiras, com receio da próxima eleição municipal em 2008, prenunciando uma reorganização partidária que pode facilitar uma reforma política mais profunda. |
Entrevista:O Estado inteligente
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