Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 24, 2006

Merval Pereira A esquerda crítica- Jornal O Globo


A campanha eleitoral pode apresentar muito mais dificuldades para o
presidente Lula do que prevêem as pesquisas de opinião feitas até
agora. O ambiente político radicalizado não contará apenas com a
agressividade da oposição formada pela coligação PSDB-PFL, mas terá
uma parte à esquerda do PT, representada especialmente pelas
candidaturas do senador Cristovam Buarque, do PDT, e da senadora
Heloisa Helena, do PSOL, ambos saídos das entranhas do petismo e do
governo, que dará às críticas um cunho de “visão interna” do poder
que pode corroer sua credibilidade diante do eleitorado.

Atribui-se ao presidente Lula uma maior preocupação com as críticas
de seus antigos companheiros do que com as da oposição representada
pela dupla PSDB-PFL.

Substituindo a campanha pelo voto nulo, que resumia o desencanto dos
eleitores com a política de maneira geral mas parece não ter fôlego
para prosperar, surgem vários movimentos em favor do voto consciente,
na tentativa de fazer uma renovação no Congresso Nacional acima dos
60% previstos, índice que já é dos mais altos dos últimos anos.
Claudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, por exemplo, lançou a
campanha “Não vote em mensaleiro”, que é uma forma mais sensata de
protestar do que uma outra que ainda circula pela internet, a “não
vote em quem tem mandato”.

Essa última, num ato de desespero, nivela todos os atuais 513
deputados e 89 senadores, sem paciência para separar o trigo
minoritário, mas existente, do joio majoritário. Focando a campanha
nos deputados acusados de terem recebido dinheiro do valerioduto,
mesmo que a maioria deles tenha sido absolvida por seus pares num
corporativismo que afronta a sociedade, a campanha da Transparência
Brasil tem o sentido de mostrar a partidos como o PTB, PP, PL, e
sobretudo ao PT, que o eleitorado não aceitou esse conchavo político
vergonhoso.

Como lembra Claudio Weber Abramo, nas convenções partidárias que
estão se realizando até o fim deste mês, todos os implicados nos
escândalos recentes foram incluídos nas chapas de seus partidos, além
de outros, que começam a ser investigados agora pelo escândalo da
compra de ambulâncias superfaturadas. A chamada CPI dos Sanguessugas,
porém, não concluirá seus trabalhos a tempo de evitar que os
envolvidos em mais este ato de corrupção sejam impedidos de se
candidatar em outubro.

Ele lembra que, alvos de processos movidos pelo Ministério Público,
“indivíduos responsáveis tanto pela distribuição quanto pela recepção
de subornos buscam na reeleição proteção contra a Justiça. Caso
venham a ser eleitos, para que possam vir a ser processados será
necessária a autorização de seus pares. Contudo, não é sensato
esperar que uma Câmara dos Deputados que absolveu virtualmente todos
os mensaleiros venha de repente mudar de comportamento”.

Também Frei Betto, ex-assessor especial de Lula no Palácio do
Planalto, resolveu divulgar uma série de exigências para o candidato
merecer seu apoio. É mais um passo de Frei Betto de distanciamento do
governo Lula, que já ficou explicitado no livro recentemente lançado
“A Mosca azul”, no qual ele analisa criticamente os dois anos de
convivência com o poder no Palácio do Planalto. Publicamente,
reafirma o voto em Lula, e guarda suas críticas mais pesadas ao PT
que, segundo ele, trocou um projeto de nação por um projeto de eleição.

Os compromissos que ele exige de um candidato, porém, mostram bem
qual caminho está reafirmando na política, muito mais próximo do PSOL
que do PT, que ajudou a fundar. Alguns pontos do seu decálogo: agir
com rigor ético, não aceitar recursos de caixa dois, expor na
internet a contabilidade de campanha e informá-la à Justiça
Eleitoral. Se eleito, publicar ganhos e gastos da atividade
parlamentar, não medir esforços para impedir que seu partido faça
acordos escusos e alianças contrárias a seus princípios, e investigue
todas as suspeitas de corrupção, nepotismo e falta de decoro, punindo
os culpados.

Outro compromisso seria lutar pela reforma política que privilegie o
financiamento público de campanhas, puna o caixa dois e admita a
revogabilidade de mandatos por força de ação popular. Combater o voto
secreto em sessões parlamentares e sempre tornar público o voto;
empenhar-se por uma política econômica que impeça a privatização do
patrimônio público, reduza os juros, priorize o capital produtivo e
favoreça, em primeiro lugar, o acesso ao trabalho e à renda, o
mercado interno, a agricultura familiar, as pequenas e médias
empresas, de modo a reduzir o desemprego e a desigualdade social.

Frei Betto quer também defender o aumento dos investimentos da União
em educação e saúde para, no mínimo, 8% do PIB, e um superávit
primário em nível inferior a 3%; promover a reforma tributária que
adote o imposto progressivo (quanto maior a renda, mais se paga); o
aumento das alíquotas dos artigos de luxo e a desoneração dos
produtos da cesta básica; aumentar o salário-mínimo acima da inflação
e impedir que ele seja desvinculado dos benefícios da Previdência
Social. Pelo jeito, Frei Betto estará na oposição num eventual
segundo mandato de Lula.

O deputado Chico Alencar, um dos que deixou o PT para fundar o PSOL,
diz que o novo partido fará “um contraponto ideológico permanente aos
grandes partidos — PT de um lado, PSDB-PFL de outro, PMDB no meio,
pendendo para quem der mais — dizendo que todos têm razão nas
acusações que se fazem e que disso resulta uma uniformização e um
rebaixamento da política, e das expectativas em relação a ela”.

Ele tem esperança que o PSOL possa “surpreender eleitoralmente como
estuário da indignação popular. E tornar-se, com outras forças
progressistas não cooptadas, um interlocutor político importante no
Brasil”.

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