Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 23, 2006

Luiz Garcia - Fuga cara

O Globo
23/6/2006

Zacarias Gonçalves Rosa Neto deu muito trabalho à polícia do Rio.
Zaca era um dos dois chefes de quadrilha que disputavam o controle do
tráfico no Morro Dona Marta. Seus choques com a polícia e com o rival
levaram pânico aos moradores de Botafogo na década de 80.

Acabou preso e condenado a 34 anos de prisão. Quatro meses atrás
ganhou o direito de cumprir o resto da pena em liberdade vigiada:
teria licença para trabalhar durante o dia e a obrigação de dormir
todas as noites numa casa de albergados em Benfica. Fugiu no primeiro
dia; está desaparecido até hoje. Não é caso único, longe disso. No
entanto, não se fala em mudança no sistema segundo o qual, na
prática, o Estado confia automaticamente tanto em quem merece
confiança como em quem não merece confiança.

A libertação antes do cumprimento total da pena não é má idéia em si:
afinal, se alguém prova que merece confiança, por que não confiar?

Por outro lado, por que confiar em quem unicamente cumpriu, sem se
amotinar ou matar um companheiro de cela, uma fração da pena que a
Justiça achou por bem impor-lhe? Por que, portanto, libertá-lo
condicionalmente, quando não existem estrutura, recursos e pessoal
para fazer valer as condições e sem determinar, segundo critérios
razoavelmente severos, que ele merece a redução da pena?

A facilidade com que Zaca desapareceu menos de 24 horas depois de
libertado prova que o sistema de avaliação do comportamento dos
condenados tem furos graves. Não é culpa dos que determinam a
libertação — ela está na lei — mas sim da fragilidade do sistema.
Contaram funcionários da Casa do Albergado que Zaca tinha motivos
para não gostar de seu novo endereço, vizinho de uma favela dominada
por uma quadrilha rival da sua. Se sabiam disso, deveria ser evidente
que ele tinha motivos para desaparecer. Também não era difícil
deduzir que, mesmo preso, ele mantinha seus laços com o antigo bando.

Seriam dois bons motivos, principalmente o segundo, para que Zaca
continuasse a cumprir a pena. Mas o sistema funciona automaticamente
— e obviamente precisa ser repensado.

Certamente isso exige investimento, em pessoal e no número de vagas
disponíveis nas penitenciárias. Pode-se alegar que não existem
recursos para isso. Ninguém parece perceber que um Zaca em liberdade
imerecida provavelmente custará mais caro para a sociedade e o
Estado, em dinheiro e vidas.

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