Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 16, 2006

Luiz Garcia - Caquis segunda-feira?

O Globo
16/6/2006

Os bem-aventurados que são pagos para periodicamente escrever o que lhes vem (ou sobe) à cabeça costumam conviver com dois tipos de situação: ou muitos assuntos saborosos disponíveis ou nenhum tema ao alcance da mão.

No momento, enfrentamos uma rara terceira situação, monotemática: existe assunto, mas é um só. Escrever sobre o quê, fora a Copa do Mundo? Ninguém pensa em outra coisa, do presidente da República ao mais miserável trabalhador escravo em alguma fazenda onde a Polícia Federal ainda não chegou.

(A propósito, o primeiro acima citado parece que acertou, ao se preocupar com a barriga de Ronaldo, para em seguida errar — digamos, redondamente — ao se humilhar assinando uma carta apaziguadora, em face da resposta fenomenalmente malcriada do barrigudo).

Se deseja leitores interessados, o articulista tem de encarar valentemente o período monotemático, entenda ou não de futebol. Claro, é uma situação especial: deve-se distinguir entre o esporte e a Copa. Do primeiro, só mesmo os profissionais do ramo têm algo que preste a dizer. Mas Copa do Mundo é porteira aberta para todo mundo.

Não há outro jeito: é escrever sobre ela ou não ter leitores. Assim, ainda que parcamente (ou porcamente, se fazem questão) justificada a escolha do assunto, passo a pontificar.

Primeiro: esta é uma Copa em que ninguém tem jogado grande coisa. Mas não é necessariamente uma situação permanente (veja-se o terceiro item).

Segundo: o desempenho mais uniforme costuma ser o das seleções muito fraquinhas, que perdem pacificamente as três partidas que nunca esperaram vencer e vão felizes para casa.

Terceiro: a trajetória dos ganhadores mais comum é um começo mais ou menos, seguido de ascensão gradual, com maturação lá pelas quartas-de-final.

Quarto: o já-ganhamos mata. Rápido, sem dó. O já-perdemos, idem.

São ponderações óbvias e certamente já feitas em outros tempos e lugares. O necromante ocasional não deve arriscar-se a mais do que isso. Mas não resiste a um depoimento: na esquina da minha rua, um rapaz há anos vende frutas aos motoristas prisioneiros dos sinais fechados. De um mês para cá, mudou de mercadoria com grande sucesso: oferecia bandeiras, camisas, apitos e por aí afora. Ontem de manhã, ainda empunhava bandeirinhas. Mas me garantiu: “Doutor, segunda-feira vou trazer uns caquis que estão uma beleza.”

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