O Estado de S. Paulo
16/6/2006
Em 1982, eu me lembro bem, o recém-fundado Partido dos Trabalhadores lançou Lula - já então bem conhecido pela população de São Paulo por causa das greves no ABC - candidato a governador. Algum intelectual metido a marqueteiro criou o mote da campanha: "Lula, um brasileiro igualzinho a você!" O PT aplaudiu. Todos acharam o apelo irresistível. Para reforçar o tema o candidato só aparecia na TV, mesmo nos debates, de calça jeans e camiseta. As fotos de campanha se valiam da mesma indumentária. E Lula só falava em público utilizando gírias próprias dos trabalhadores humildes.
Ao contrário do que se previa, a campanha foi um estrondoso fracasso. O candidato obteve menos de 6% dos votos. Perdeu feio, principalmente no ABC, seu reduto eleitoral. Uma pesquisa qualitativa foi feita para descobrir as causas da derrota. O povo humilde, em especial as donas de casa, se encarregou de explicar: "A gente quer um governador que seja mais bem preparado do que nós. Se ele é igualzinho à gente, o lugar dele é aqui mesmo, dando duro que nem nós..." Desde então eu admiti, humildemente, que não entendia nada da alma do povo, principalmente das camadas menos favorecidas.
Eles são tão inteligentes como nós, só que a realidades em que vivem é diferente e, portanto, os seus valores são também diferentes. Eu, como jornalista e político, sei me comunicar exclusivamente com as classes média e alta, cujos valores compartilho. Quando me aventurei a ser candidato a prefeito de São Paulo, em 1988, gastei a maior parte do meu tempo discursando na periferia. Fui muito bem tratado - afinal, o nosso povo é sobretudo cordial -, mas não obtive nenhum voto por ali. Todo o meu eleitorado se concentrou nos bairros de classe média. O que quer, realmente, o povo de baixa renda?
Em 2003 recebi outro recado significativo de que o povo humilde tem conceitos muito diferentes dos meus. Como secretário da Comunicação do governo Alckmin, coube-me realizar uma série de pesquisas para procurar saber quais os programas sociais do governo do Estado eram mais bem recebidos pela população. Uma das perguntas era a respeito dos programas de renda para os desempregados. Não me lembro exatamente dos valores, mas o programa da Prefeitura, então dirigida pela dona Marta, pagava a cada cidadão uma renda duas vezes superior a idêntico programa do governo do Estado. Perguntamos aos cidadãos qual dos dois era mais bem aceito. Acreditávamos que a resposta era óbvia: o de maior valor seria o escolhido. Qual o quê! O preferido foi o de valor menor. Explicação do povo: "Ora, eu trabalho duro para ganhar R$ 250 de salário. Por que é que uns vagabundos, que não ralam como eu, hão de ganhar R$ 130 na moleza? R$ 70 está muito bom para eles..."
Tenho a humildade de reconhecer: como jornalista e homem público, meus valores são típicos da classe média. É ela que me lê aqui, no Estadão, é com os valores dela que me identifico e são as suas convicções que eu defendo. Como político, em campanha só sou convidado a dar palestras em associações, escolas e clubes de serviço cujos membros são da classe média. Não me arrisco a falar ao povão. Eu não o compreendo e ele, com certeza também não se sensibiliza com as minhas pregações.
Digo tudo isso para tentar responder a uma pergunta que recebo constantemente, via e-mail, dos meus leitores. É a seguinte: "Já conversei com todos os meus amigos e não encontrei ninguém que vá votar no Lula. Como é possível que ele seja disparadamente o favorito nas pesquisas?" A resposta que dou, invariavelmente, é a mesma: "Os eleitores de Lula estão concentrados nas camadas mais humildes da população e no Nordeste. Trata-se de pessoas que não costumam ler jornais e tampouco se interessam pelos programas noticiosos na TV."
Essa gente pouco ou nada sabe sobre todos os escândalos que marcaram a gestão do atual presidente e, quando sabe, não chega a compreender exatamente a magnitude e a gravidade dos inúmeros crimes cometidos. Não porque o povão seja destituído de valores morais. Ao contrário. Ele cultua uma moralidade por vezes mas rígida que a nossa. O problema é que eles não estão lá muito preocupados com a integridade da democracia e com o caráter sagrado que nós atribuímos às suas instituições. Lula, via Bolsa-Família, eleva o poder aquisitivo de cerca de 30 milhões de cidadãos, em todo o Brasil. A cesta básica de alimentos, por sua vez, está mais barata para os consumidores. E é isso que lhes importa. Roubalheira por roubalheira, isso existe em todos os governos. Se é maior ou menor, isso em nada muda o dia-a-dia das pessoas humildes. E, portanto, não tem a menor relevância.
Isso quer dizer que nós, eleitores mais esclarecidos, nos devemos render ao favoritismo de Lula e considerar a hipótese de sufragá-lo? De forma nenhuma. Eleição e turfe são coisas muito distintas. Na primeira votamos em quem acreditamos, no segundo é que a gente procura apostar em quem parece que vai ganhar. Tenho o máximo respeito pelos valores e convicções do povo humilde, mas me assumo como classe média e não abro mão da moralidade e do senso de valores típicos da minha condição.
Não se trata de optar pela esquerda ou pela direita. O que está em jogo é algo que transcende em muito o espectro ideológico. O PT, no poder, demonstrou ser tudo aquilo que abominamos. É um partido cujos membros escarneceram da democracia, menoscabaram a ética e fizeram do Parlamento um fétido lupanar.
É por isso que eu jamais votarei em Lula. Entendo que os brasileiros merecem um País mais digno que esse. Ainda acredito que um Brasil melhor é possível. E não abro mão do meu direito de votar pela decência. A pior das renúncias, sem dúvida, ainda é a renúncia à esperança.
Entrevista:O Estado inteligente
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