Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 17, 2006

A copa de Lula

VEJA

Depois de Médici, Lula é o presidente
que mais se sente à vontade para
falar de futebol. Isso rende voto?


Otávio Cabral


Ricardo Stuckert/PR
Lula, ao lado da mulher, festeja o gol do Brasil na estréia da Copa, e Médici, com seu radinho de pilha, durante um jogo no Maracanã
Assis Hoffmann

Com seus discursos freqüentemente crivados de metáforas futebolísticas, o presidente Lula sempre deixou evidente sua relação com o futebol. Agora, ainda antes do início da Copa do Mundo, Lula já entrara em campo. Primeiro, deu uma entrevista ao jornal O Globo em que falou – coisa inédita para um presidente – sobre um único tema: futebol. Elogiou o chamado "quadrado mágico", o triunfal apelido dado ao quarteto formado por Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Adriano e Kaká, afirmou que a seleção brasileira é a melhor do mundo, mas alertou para o risco de entrar em campo de "salto alto". Depois, chegou a criar uma polêmica com Ronaldo, ao insinuar que o jogador estava acima do peso, e ganhou uma réplica ríspida. "Todo mundo diz que ele bebe pra caramba. Tanto é mentira que eu estou gordo quanto deve ser mentira que ele bebe pra caramba", retrucou o jogador. Em carta, Lula pediu desculpas. Na terça-feira passada, dia da estréia do Brasil na Copa, Lula vestiu a camisa 10 de Ronaldinho Gaúcho e assistiu ao jogo ao lado da mulher, Marisa – e, depois, fez comentários a uma equipe de TV. "O Brasil esteve aquém do que pode fazer", disse.

O presidente Lula não faz nenhuma encenação quando fala de futebol. Seu gosto pelo esporte é autêntico – seja quando joga suas peladas no Palácio, seja quando torce por seu Corinthians. Por isso Lula se sente tão confortável ao falar sobre futebol. Antes dele, apenas Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), gremista fanático, demonstrou gosto tão acentuado por futebol. Médici acompanhava de perto os jogos, chegou a ser fotografado com seu radinho de pilha em pleno Maracanã e, ditador como era, meteu-se até na escolha do técnico e dos jogadores da seleção de 1970. Também dava palpites na organização do campeonato nacional. Chegou a convencer a Confederação Brasileira de Desportos, a antecessora da atual CBF, a inflar o número de times no campeonato nacional, que chegou a ter 94 equipes – hoje são apenas vinte. Era uma tentativa de usar o futebol para atrair a simpatia popular para a Arena, partido da ditadura. A piada de então dizia assim: "Onde a Arena vai mal, mais um time no campeonato nacional".

"Lula é o presidente que mais desenvolve esse marketing político-esportivo. Só é comparável ao Médici, que tentava influenciar até na escalação do time", afirma o historiador e cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. Se o presidente Lula tem alguma intenção eleitoral ao associar-se tão abertamente à seleção na Copa, tudo indica que pisará na bola. Um dos maiores mitos da política nacional estabelece uma suposta sintonia entre o humor do eleitor e as vitórias da seleção brasileira. A lenda diz que, quando a seleção ganha, o eleitor tende a ficar mais satisfeito com sua vida e, portanto, com o governo de plantão. Tolice. Em 1998, por exemplo, o então presidente Fernando Henrique foi reeleito quando o Brasil perdeu a Copa. Quatro anos depois, assistiu à derrota de seu candidato presidencial enquanto o Brasil ganhava o título de pentacampeão. Mas, ainda assim, talvez Lula ganhe ao falar de futebol porque retoma seus laços com a parcela mais humilde do eleitorado. Diz o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: "O futebol é uma maneira de reforçar a afinidade do presidente com a população mais pobre, que se identifica com ele".

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