Na semana passada, o governo anunciou duas medidas provisórias que liberam imediatamente R$ 26,2 bilhões de recursos já previstos no Orçamento da União.
A edição dessas MPs vai sendo oficialmente justificada com o argumento de que a oposição impede a aprovação do Orçamento e que a administração não pode ficar paralisada. Faltou o governo reconhecer que tem maioria no Congresso. Se não consegue aprovar projetos do seu interesse é porque alguma coisa vai mal no gerenciamento político de sua base de apoio. Isso reflete descontrole e não teimosia da oposição de quem, de resto, se espera que se oponha ao governo.
Não é a primeira vez que o Congresso (e não apenas a oposição) emperra a tramitação do projeto do Orçamento da União. Em tais circunstâncias, a lei prevê que o governo pode gastar mensalmente até o equivalente a um duodécimo das despesas realizadas no ano anterior. Isso, por si só, desmente que a administração pública esteja sob risco de paralisia.
Há muito este governo e governos anteriores têm abusado do estatuto da medida provisória. No entanto, a autorização dessas megadespesas a canetadas é um fato novo e grave porque alija o Congresso do processo decisório em matéria importante. No limite, passa o recado de que o Congresso pode ser fechado. Esta atitude do governo não é de quem quer negociar; é de quem semeia ventos.
Decisões com toda essa dose de arbítrio criam incertezas, na medida em que exacerbam a irritação do Legislativo (e não só da oposição) com o Executivo. Essa exacerbação pode criar o ambiente propício para que as medidas provisórias sejam derrubadas na Justiça ou rejeitadas em votação ordinária. Seriam saídas que atirariam a crise política para patamares de desfecho imprevisível.
O diabo é que não é só isso. O que acaba de acontecer é um sintoma de um desgoverno mais amplo e que vem lá de trás. Tanto a administração Lula como os partidos da coligação governista parecem atarantados com a acusação de que o PT formou quadrilha, tal como sustentou o procurador-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal, com base nas conclusões do relatório da CPI dos Correios. Não conseguem reagrupar forças nem articular uma estratégia que garanta boa administração pública neste resto de ano. À medida que a temperatura eleitoral for aumentando, os conflitos tenderão a crescer.
Até agora, nem a crise política, nem a demissão do ministro Antonio Palocci, nem a paralisia do governo conseguiram contaminar o bom ambiente econômico. A inflação está controlada, os juros continuarão em queda, como se comprovará nesta quarta-feira, quando haverá reunião do Copom. E os primeiros sinais de que a produção industrial está esquentando começam a aparecer.
A maioria das empresas tem a percepção de que, ao contrário do que acontecia há apenas quatro meses, as encomendas estão se avolumando, o que, por sua vez, demonstra reação consistente do consumo varejista. O otimismo tenderá a aumentar quando informações com maior densidade estatística ficarem disponíveis.
Mas não dá para garantir que esse bom ambiente econômico seguirá imunizado contra crises políticas, especialmente quando se vê que o governo não consegue o controle de sua base política e o Legislativo vai sendo atropelado pelo Executivo.
"Fui um cogumelo" - lamentava-se Nicóbulo, personagem de Plauto, o comediógrafo latino. É como o governo Lula deveria se sentir agora.