Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 16, 2006

Robin Hood às avessas Mailson da Nóbrega

OESP


A frase do título foi proferida pelo historiador americano Peter Lindert ao se referir aos nossos programas sociais. Isso porque, no Brasil, ao contrário da lenda de Robin Hood, o Estado cobra impostos dos pobres para pagar benefícios previdenciários e educação superior para os não-pobres. Além disso, aqui se ganha mais na aposentadoria do que na atividade.

De fato, a aposentadoria média corresponde a 120% da renda per capita (70% na França, 30% nos EUA). Os programas sociais no Brasil constituem, pois, uma prioridade invertida: privilegiam os idosos e não as crianças. Não há justificativa plausível para tanto, mesmo porque a proporção de pobres entre os idosos é de menos de 10% (50% no caso das crianças).

O sucesso da Coréia do Sul tem muito a ver com suas prioridades em educação. Lá, 80% dos respectivos gastos beneficiam crianças e jovens.

Aqui, mais de 50% vão para o ensino superior gratuito. Caberia, pois, discutir a cobrança de mensalidades de quem pode pagar, mas a resposta do governo Lula é estabelecer cotas raciais.

O Chile também é um bom exemplo, como se viu da entrevista da sua presidente à revista Veja semana passada. O caminho para fazer chegar a todos os benefícios do crescimento, segundo Michelle Bachelet, é "reforçar a educação, melhorar a qualificação de nossas crianças, jovens e trabalhadores, de maneira que sejam capazes de obter empregos de maior qualidade e melhores salários". Falou também em "aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho". Os idosos não foram mencionados.

A desastrada Constituição de 1988 elevou os gastos previdenciários de 4% do PIB para 13%, o dobro da média mundial (2% na Coréia do Sul e 5% no Chile). Grande parte da piora decorreu de aumentos reais do salário mínimo, que funciona como piso previdenciário. Aumentos reais do mínimo não são uma boa forma de redistribuir renda. Ademais, ao fazer subir o déficit da Previdência, os aumentos contribuem para elevar a carga tributária e o endividamento, e para reduzir os investimentos.

A prioridade aos idosos implícita nesses aumentos agrava a qualidade do sistema tributário e do gasto público, o que inibe a elevação do potencial de crescimento.

O economista Ricardo Paes de Barros, do Ipea, prova que apenas 8% da melhoria na distribuição de renda observada a partir de 2001 provém do salário mínimo. O grosso veio de programas como o Bolsa Família (22%) e da elevação do acesso das crianças à educação fundamental (15%). O restante derivou de outras causas, inclusive o crescimento da economia no período.

Os estudos de Paes de Barros indicam claramente que haveria finalidades sociais mais eficazes para direcionar o gasto público. O caminho não é escolher os idosos.

Infelizmente, essa não é a percepção da maioria sociedade, que mal informada tende a apoiar aumentos reais do mínimo. Formadores de opinião no setor privado condenam a idéia de desvincular o mínimo do piso previdenciário. Não é de estranhar que políticos e sindicalistas defendam aumentos ainda maiores do que os concedidos. Afinal, os idosos votam. As crianças, não.

Em vez de pelo menos estancar essa tendência, o governo Lula tem contribuído para piorar a situação, particularmente neste ano eleitoral, quando o mínimo teve o maior aumento real dos últimos anos (12%).

Com o objetivo de capitalizar politicamente a medida, o ministro do Trabalho convocou uma rede de rádio e televisão para anunciar a generosidade concedida com dinheiro dos contribuintes e contra o futuro.

Logo em seguida, o presidente Lula reuniu vários ministros para aprovar novos benefícios para os idosos, como subsídios à compra de medicamentos, passagem de graça em ônibus interestaduais e outros.

Tem-se lamentado que o Brasil cresce menos do que o Chile, a Coréia do Sul e outros países em desenvolvimento.

Há quem localize corretamente a causa na elevada carga tributária e nos juros altos, ainda que falte entender a origem do problema, qual seja o elevado gasto público. Paradoxalmente, todavia, muitas dessas pessoas apóiam os aumentos reais do mínimo, que aumentam o gasto.

O discurso de Lula e de seu ministro do Trabalho mostra quanto temos ainda a aprender. Eles bem que poderiam ter tomado lições de como agir diferentemente durante a recente visita da presidente Bachelet ao Brasil.


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