Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 15, 2006

República da extorsão Mauro Chaves

OESP

Dentro do clima do "salve-se quem puder" que tomou conta deste país, onde uma cambada de ladrões assumiu o poder, revogou todas as regras da ética pública, assumiu os comportamentos mais aberrantes sob a frondosa copa protetora da mais ampla, geral e irrestrita impunidade, chegam a passar despercebidos os pequenos mafiosos que, nas grandes cidades, como São Paulo, exercem estratégias de extorsão sobre cidadãos que a eles se submetem, no que revelam a perda completa de sua própria consciência de cidadania. Um bom exemplo disso é a atuação, nesta cidade, de ONGs que "vendem proteção" contra pichadores de lojas e residências. Plaquinhas colocadas em fachadas e muros de casas e estabelecimentos comerciais exibem uma submissão escandalosa, vergonhosa, aos "vendedores de proteção", tal como a que se fazia aos mafiosos da Chicago dos anos 30, aos cangaceiros nordestinos do começo do século passado ou ao crime organizado ainda vigente em tantas partes do mundo.

Essas ONGs operam sob disfarces ecológicos, assistenciais ou religiosos. O "argumento" usado tanto pelos chantageados (das residências e lojas) quanto das ONGs é este: os pichadores, ao verem as plaquinhas que comunicam as contribuições prestadas a entidades (ecológicas, assistenciais, religiosas, etc.), ficam "sensibilizados" e deixam de pichar aqueles imóveis. Veja-se que incrível "consciência social" têm tais elementos! Como retribuição ao gesto "solidário" daqueles moradores ou comerciantes, desistem os pichadores de emporcalhar as paredes e os muros com seus sprays de tinta (produtos caros, aliás, mas tão acessíveis a grafiteiros e pichadores "carentes", das periferias!). Na verdade, toda a imbecilidade contida nos riscos, letras mal desenhadas e borrões sem nenhum sentido dessas pichações está longe de ser gratuita: resulta em boa grana - propiciada pelo trabalho "terceirizado" da venda de proteção antipichação.

Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar imóvel ou monumento urbano é crime ambiental, nos termos do artigo 65 da Lei 9.605/98, com pena de detenção de 3 meses a 1 ano. É aí que devem ser enquadrados os responsáveis por essas ONGs dedicadas a uma típica "pilantropia", assim como seus eventualmente terceirizados pichadores, que tenham como fulcro de rendimento a autoria, co-autoria ou cumplicidade em atividade criminosa. É que a lei ambiental vigente visa a preservar os imóveis particulares e públicos de atos que impliquem sua desvalorização estética - de indiscutíveis conseqüências econômicas -, assim como proteger os moradores, comerciantes, transeuntes e a população em geral da poluição visual, da deterioração do paisagismo e da degradação do meio ambiente urbano. E, por sobre o crime ambiental, pode existir aí o crime de extorsão, como tal definido no artigo 158 do Código Penal - com pena de reclusão, de 4 a 10 anos, além de multa.

Colocarei aqui apenas alguns exemplos de pagamentos de "proteção antipichação", extraídos de minhas imediações (Vila Madalena), para que sirvam de pista a autoridades municipais - e/ou policiais - que de há muito deveriam dar combate a essa verdadeira vergonha paulistana, que são as fachadas dos imóveis emporcalhadas pelos pichadores. O simples fato de uma ONG aceitar donativos de ocupantes de imóveis para que estes não sejam pichados a torna mais do que suspeita - mesmo que não tenha arregimentado pichadores nem lhes haja fornecido material "aerográfico" para punir os "não-pagantes" de proteção.

"Atenção, pichadores! Contribuímos, mensalmente, para reconhecida entidade assistencial, para não picharem esta casa. Os comprovantes de pagamento estão no quadro." Estes dizeres estão numa fachada na Rua Teodoro Sampaio, nº 2.222. E no quadro estão exibidos dois recibos, de R$ 100 cada, em nome da entidade denominada Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico, com sede à Rua 1º de Março, nº 500, em Campinas, CNPJ 35.796-020/0001-53. O telefone deste endereço está em nome de outra entidade, denominada Associação Agrícola Natural.

"Atenção, srs. Grafiteiros! Contribuímos trimestralmente em benefício de uma reconhecida entidade assistencial para não grafitarem os muros, portas e portões desta propriedade. Sejam parceiros desta contribuição. Obrigado." Estes dizeres estão numa casa à Rua João Moura, nº 2432 (e a "entidade" receptadora se chama ICRIM).

"Senhores grafiteiros! Contribuímos mensalmente com o grupo Guna - Um Novo Amigo - para não grafitarem este estabelecimento . Conferir recibo na recepção." Esta plaquinha está num imóvel da Rua Purpurina, nº 185.

Na Rua Natingüi, nº 823, há uma plaquinha semelhante - e lá a "entidade" receptadora se chama Cristo Ressuscitado.

O que torna mais nauseante essa forma de extorsão é o disfarce de "bem-intencionado", de "politicamente correto", com que se camufla o flagrante desrespeito à lei. Por isso apresento aqui duas sugestões. A primeira é que a fiscalização municipal - em parceria com a polícia estadual - percorra as ruas para flagrar plaquetas de "doações" e investigue as ONGs receptadoras mencionadas. E a segunda é que moradores e estabelecimentos comerciais afixem em suas fachadas um outro tipo de placa, com, por exemplo, os seguintes dizeres: "Senhores grafiteiros e pichadores. Não compactuamos com extorsões praticadas por criminosos. Pichar, grafitar e conspurcar imóveis é crime ambiental que dá um ano de cadeia. Estaremos vigilantes - em nossa vizinhança há notívagos observadores - para chamar a polícia, no ato, caso haja tentativa de pichação deste imóvel. E nos empenharemos para colocar na cadeia quem não respeita a lei nem os direitos alheios."


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