Paulo Ghiraldelli Jr.
Houve um tempo no Brasil em que, quando um filho se definia por fazer vestibular para o curso de Filosofia, os pais se preparavam para uma batalha familiar. Era necessário dissuadi-lo de qualquer maneira.
Um filho que quisesse ser filósofo era alguém que se assemelhava a quem queria ser padre, mas em condição piorada: não teria nenhuma paróquia. Se os pais entendiam que havia o filósofo laico, as coisas também não iam bem, pois um filho filósofo deveria ser algum menino perdido nas "idéias comunistas". Isso, finalmente, começou a mudar no final dos anos 1980. Agora, vivemos a situação inversa: virou moda ser filósofo.
Socialites, profissionais liberais, jovens de classe média e até mesmo de setores pobres estão chegando aos cursos de Filosofia. Na cidade de São Paulo, algumas universidades se dão ao luxo de fazer um vestibular para o curso, impondo uma seleção até pouco tempo atrás não existente, pois já há mais alunos do que vagas. Em outros Estados o movimento segue a mesma direção. Não se trata de uma corrida para o curso de Filosofia como o que aconteceu com o curso de Comunicações e correlatos, que bateram a procura por Medicina e Engenharia em vários lugares. Mas é preciso ponderar que, entre não procurar o curso e buscá-lo, o ponto de partida não era o zero, mas o 100 negativo! Havia bem mais chão para percorrer.
Afinal, qual a razão da procura pela Filosofia? Três elementos, contribuintes para tal situação, saltam aos olhos.
Primeiro: diante da baixa geral da qualidade dos cursos de ciências humanas, a Filosofia, por atrair um público disposto a um "sacrifício" - até mesmo por orgulho intelectual -, se manteve mais ou menos como um caminho à parte dentro das universidades. Assim, o curso é procurado como uma "segunda graduação".
Segundo: a condição de filósofo passou a ter um charme especial na sociedade, por dominar um pretenso saber "global" que outros não dominariam. Diga-se de passagem, até mesmo Fernando Henrique Cardoso, que era sociólogo, preferia ter sua caricatura nos jornais com um "Heidegger" debaixo do braço. Os jornalistas, quando queriam agradar-lhe, iam buscar a tal da "conferência de Araraquara", onde ele e outros apareciam, jovenzinhos, recebendo o Sartre - que para a população em geral ainda simboliza o que ela pode entender que seja um filósofo.
Terceiro: algumas situações culturais mundiais não puderam ser compreendidas, de fato, pela Sociologia ou pela Ciência Política, até por causa da vinculação delas com o marxismo, uma teoria em crise e decadência. Por exemplo: as questões ligadas ao pós-modernismo, o conflito Ocidente-Oriente, o problema dos "direitos humanos", as novas descobertas sobre a mente, a bioética e a ecologia e, enfim, ao crescimento das religiões.
Podemos acoplar a isso tudo, no Brasil, o fato de que estamos vivendo já há 20 anos em democracia. Como diz o filósofo estadunidense Richard Rorty, a filosofia é menos fundamento da democracia do que esta é sua possibilitadora. Para que o tipo de negócio que é a filosofia ganhe algum fôlego precisamos não estar brigando por comida nem termos o convívio com uma polícia política. Ao contrário, não é em crise aguda que refletimos filosoficamente. Em crise aguda mordemos uns aos outros e que se dane a filosofia!
Mas agora, que estamos podemos refletir, a filosofia está tão na moda que, no Estado de São Paulo, a colocamos no ensino médio.
O problema, então, para os que lidam com educação no Brasil e para os que, especificamente, tratam dos caminhos que a filosofia no Estado de São Paulo pode seguir ao se fazer presente no ensino médio, é o de termos um bom material didático que aproveite essa onda. No Estado de São Paulo, a filosofia está na escola, novamente, como disciplina. Talvez não em número de horas que gostaríamos, mas está. E já houve um concurso para tal cadeira. E vamos voltar a ter outros. Podemos descuidar disso e colocar como matéria de exame qualquer livro? Podemos simplesmente desconsiderar determinadas correntes filosóficas, evitando o pluralismo? Não seria importante, agora, São Paulo dar o exemplo, já que optou por fazer a "volta da filosofia" ao ensino médio quase que pioneiramente? Mas o que seria fazer São Paulo dar o exemplo?
Os professores preparam-se melhor em época de concurso. Então, não podemos perder a chance. A bibliografia do concurso para a cadeira de Filosofia no ensino médio deve contemplar vários períodos filosóficos e todas as escolas filosóficas. E não podemos, com a desculpa de que se trata apenas do ensino médio, colocar nessa bibliografia somente os livros que ou não falam de filosofia contemporânea ou que, quando falam, o fazem de maneira diminuta. Não ensinamos Física Quântica no ensino médio, é certo. Mas, no terceiro ano do ensino médio, sempre foi do conhecimento de todos que o programa de nossos vestibulares coloca a chamada "física moderna" e os "princípios de relatividade" como matérias obrigatórias. Ora, em filosofia, o equivalente a isso é a filosofia contemporânea. E a filosofia contemporânea não é apenas Nietzsche, ou Husserl, ou Bergson. Temos de falar, sim, dos avanços na filosofia analítica, do pragmatismo e da hermenêutica - no mínimo, isso. Seria interessante que os professores que vão chegar ao ensino médio soubessem algo de Frege, Quine, Rorty, Davidson, Putnam, Derrida, Habermas, Gadamer, Foucault, etc. Pois se Sócrates, Descartes e Sartre cumprem sempre um bom e fundamental papel, isso não é mais o suficiente.
O professor de Filosofia precisa fazer jus a essa conversa de que "filosofia está na moda", pois está. E deveria ficar na moda no duplo sentido: pois é algo que agora é preferido e também por estudar o que é o pensamento de nossos tempos, algo que não é uma relíquia do passado morto.