Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 15, 2006

Está na moda ser filósofo?

OESP

Paulo Ghiraldelli Jr.

Houve um tempo no Brasil em que, quando um filho se definia por fazer vestibular para o curso de Filosofia, os pais se preparavam para uma batalha familiar. Era necessário dissuadi-lo de qualquer maneira.

Um filho que quisesse ser filósofo era alguém que se assemelhava a quem queria ser padre, mas em condição piorada: não teria nenhuma paróquia. Se os pais entendiam que havia o filósofo laico, as coisas também não iam bem, pois um filho filósofo deveria ser algum menino perdido nas "idéias comunistas". Isso, finalmente, começou a mudar no final dos anos 1980. Agora, vivemos a situação inversa: virou moda ser filósofo.

Socialites, profissionais liberais, jovens de classe média e até mesmo de setores pobres estão chegando aos cursos de Filosofia. Na cidade de São Paulo, algumas universidades se dão ao luxo de fazer um vestibular para o curso, impondo uma seleção até pouco tempo atrás não existente, pois já há mais alunos do que vagas. Em outros Estados o movimento segue a mesma direção. Não se trata de uma corrida para o curso de Filosofia como o que aconteceu com o curso de Comunicações e correlatos, que bateram a procura por Medicina e Engenharia em vários lugares. Mas é preciso ponderar que, entre não procurar o curso e buscá-lo, o ponto de partida não era o zero, mas o 100 negativo! Havia bem mais chão para percorrer.

Afinal, qual a razão da procura pela Filosofia? Três elementos, contribuintes para tal situação, saltam aos olhos.

Primeiro: diante da baixa geral da qualidade dos cursos de ciências humanas, a Filosofia, por atrair um público disposto a um "sacrifício" - até mesmo por orgulho intelectual -, se manteve mais ou menos como um caminho à parte dentro das universidades. Assim, o curso é procurado como uma "segunda graduação".

Segundo: a condição de filósofo passou a ter um charme especial na sociedade, por dominar um pretenso saber "global" que outros não dominariam. Diga-se de passagem, até mesmo Fernando Henrique Cardoso, que era sociólogo, preferia ter sua caricatura nos jornais com um "Heidegger" debaixo do braço. Os jornalistas, quando queriam agradar-lhe, iam buscar a tal da "conferência de Araraquara", onde ele e outros apareciam, jovenzinhos, recebendo o Sartre - que para a população em geral ainda simboliza o que ela pode entender que seja um filósofo.

Terceiro: algumas situações culturais mundiais não puderam ser compreendidas, de fato, pela Sociologia ou pela Ciência Política, até por causa da vinculação delas com o marxismo, uma teoria em crise e decadência. Por exemplo: as questões ligadas ao pós-modernismo, o conflito Ocidente-Oriente, o problema dos "direitos humanos", as novas descobertas sobre a mente, a bioética e a ecologia e, enfim, ao crescimento das religiões.

Podemos acoplar a isso tudo, no Brasil, o fato de que estamos vivendo já há 20 anos em democracia. Como diz o filósofo estadunidense Richard Rorty, a filosofia é menos fundamento da democracia do que esta é sua possibilitadora. Para que o tipo de negócio que é a filosofia ganhe algum fôlego precisamos não estar brigando por comida nem termos o convívio com uma polícia política. Ao contrário, não é em crise aguda que refletimos filosoficamente. Em crise aguda mordemos uns aos outros e que se dane a filosofia!

Mas agora, que estamos podemos refletir, a filosofia está tão na moda que, no Estado de São Paulo, a colocamos no ensino médio.

O problema, então, para os que lidam com educação no Brasil e para os que, especificamente, tratam dos caminhos que a filosofia no Estado de São Paulo pode seguir ao se fazer presente no ensino médio, é o de termos um bom material didático que aproveite essa onda. No Estado de São Paulo, a filosofia está na escola, novamente, como disciplina. Talvez não em número de horas que gostaríamos, mas está. E já houve um concurso para tal cadeira. E vamos voltar a ter outros. Podemos descuidar disso e colocar como matéria de exame qualquer livro? Podemos simplesmente desconsiderar determinadas correntes filosóficas, evitando o pluralismo? Não seria importante, agora, São Paulo dar o exemplo, já que optou por fazer a "volta da filosofia" ao ensino médio quase que pioneiramente? Mas o que seria fazer São Paulo dar o exemplo?

Os professores preparam-se melhor em época de concurso. Então, não podemos perder a chance. A bibliografia do concurso para a cadeira de Filosofia no ensino médio deve contemplar vários períodos filosóficos e todas as escolas filosóficas. E não podemos, com a desculpa de que se trata apenas do ensino médio, colocar nessa bibliografia somente os livros que ou não falam de filosofia contemporânea ou que, quando falam, o fazem de maneira diminuta. Não ensinamos Física Quântica no ensino médio, é certo. Mas, no terceiro ano do ensino médio, sempre foi do conhecimento de todos que o programa de nossos vestibulares coloca a chamada "física moderna" e os "princípios de relatividade" como matérias obrigatórias. Ora, em filosofia, o equivalente a isso é a filosofia contemporânea. E a filosofia contemporânea não é apenas Nietzsche, ou Husserl, ou Bergson. Temos de falar, sim, dos avanços na filosofia analítica, do pragmatismo e da hermenêutica - no mínimo, isso. Seria interessante que os professores que vão chegar ao ensino médio soubessem algo de Frege, Quine, Rorty, Davidson, Putnam, Derrida, Habermas, Gadamer, Foucault, etc. Pois se Sócrates, Descartes e Sartre cumprem sempre um bom e fundamental papel, isso não é mais o suficiente.

O professor de Filosofia precisa fazer jus a essa conversa de que "filosofia está na moda", pois está. E deveria ficar na moda no duplo sentido: pois é algo que agora é preferido e também por estudar o que é o pensamento de nossos tempos, algo que não é uma relíquia do passado morto.



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