Como um pequeno emirado quase
sem petróleo se tornou um dos centros
dinâmicos da economia global
José Eduardo Barella
Dubai é o lugar mais vibrante, cosmopolita e inovador do mundo árabe – e também um dos mais pobres em petróleo. O paradoxo é que a escassez da principal riqueza do Golfo Pérsico é a melhor explicação para sua prosperidade. A previsão é que as reservas petrolíferas desse micro-Estado, um dos sete que formam os Emirados Árabes Unidos, estarão esgotadas dentro de quatro ou cinco anos. Um azar geográfico, pois em outros membros da federação o petróleo e o gás natural devem durar mais 100 anos. Sem essa riqueza fácil, que jorra das areias sem exigir esforço, o clã Al Maktoum, que governa desde a independência da Inglaterra, em 1971, tomou a decisão de usar o dinheiro do petróleo para diversificar a economia – uma atitude rara na região, pródiga em monarcas esbanjadores e despreocupados com o futuro. O resultado é impressionante. A economia de Dubai cresce ao ritmo de 16% ao ano – quase duas vezes o crescimento chinês – e o petróleo, que na década de 70 ainda era a maior riqueza, hoje representa apenas 7% do produto interno bruto (PIB).
David Cannon/Getty Images |
Quadra de tênis no topo do hotel Burj Al Arab, a 211 metros de altura: turismo de luxo |
O emir Mohammed bin Rashid Al Maktoum também é gastador. A diferença é que ele administra seu reino no deserto como se fosse uma empresa globalizada e investe em megaprojetos com um propósito bem definido: fortalecer Dubai como um centro comercial, turístico, tecnológico, industrial e de entrada e saída de produtos e passageiros no Golfo Pérsico. Seu minúsculo território – apenas duas vezes a área do município de São Paulo –, com apenas uma cidade, é cenário de algumas das obras arquitetônicas mais ambiciosas deste início de século. Com um produto interno bruto de 34 bilhões de dólares, o emirado está investindo 50 bilhões de dólares só em obras de engenharia. Projetado para ser o edifício mais alto do mundo, o Burj Dubai ganha um novo pavimento por semana e deverá custar 1 bilhão de dólares. A altura final é mantida em segredo para despistar os competidores, mas não terá menos de 800 metros. O maior aeroporto do mundo, já em construção, também será o de Dubai. Não há dúvidas sobre a urgência da obra. O aeroporto atual do emirado é o principal ponto de partida no Oriente Médio para 145 países.
Uma das dez maiores empresas aéreas do mundo, a Emirates é a principal compradora dos aviões da Boeing e da Airbus, com 37 bilhões de dólares em encomendas. A estratégia empregada pela companhia para crescer é um exemplo da visão empresarial do clã Al Maktoum. Nos anos 80, quando a Emirates foi fundada com uns poucos aviões, Dubai não era muito conhecido fora do mundo árabe. No início dos anos 90, a empresa convenceu os 400 hotéis da cidade a conceder descontos nas diárias para estadas curtas. A oferta estimulou europeus e australianos a fazer pequenas paradas em Dubai em suas viagens à Ásia. Aos poucos, o emirado deixou de ser apenas uma escala perdida no deserto e se converteu em sinônimo de turismo de luxo. Hoje, recebe 7 milhões de turistas por ano – 30% mais que o Brasil, país com território 2 200 vezes maior.
Antes de entrar na programação de férias de europeus e americanos, Dubai já era um dos passeios favoritos dos turistas árabes. Eles vão lá respirar um pouco da liberdade que não existe em seus países e fazer compras. Apesar de 95% de seus habitantes serem muçulmanos, Dubai escapa ao rigor puritano de alguns de seus vizinhos. As mulheres não são obrigadas a usar véu – ainda que a maioria use por tradição ou pressão familiar –, podem trabalhar e andar sozinhas na rua. As praias ficam repletas de turistas de biquíni e as bebidas alcoólicas são permitidas nos hotéis, restaurantes e resorts. Encravado no deserto, sem maiores atrativos naturais – exceto a beleza do mar azul – e com temperaturas que chegam a 50 graus no verão, Dubai seria um lugar improvável para um turista endinheirado passar as férias, não fosse sua sofisticada infra-estrutura hoteleira e de lazer.
Nasser Younes/AFP |
Muçulmana em shopping center em Dubai: o véu não é obrigatório e as mulheres podem trabalhar fora de casa |
Shopping centers enormes, lojas de grife, restaurantes com chefs franceses e hotéis cinco-estrelas enfeitam sua avenida beira-mar. O hotel Burj Al Arab, construído no formato de vela de navio e com 56 andares, custou 6 bilhões de dólares. Sua quadra de tênis, na cobertura, abriga anualmente um torneio internacional. No fim do ano passado, foi inaugurado em Dubai um complexo com cinco pistas de esqui e neve, produzida artificialmente. O maior empreendimento turístico, no entanto, é um arquipélago artificial de 10 bilhões de dólares, com ilhas em forma de palmeira e um conjunto de ilhotas que pretende reproduzir o globo terrestre. Vai abrigar condomínios de alto luxo, hotéis, restaurantes, parques e shopping centers. Para coroar a lista de projetos turísticos inusitados, será inaugurado em 2007 um hotel submarino de 220 quartos, a 20 metros de profundidade.
O turismo é uma vocação recente. Localizado na entrada do Golfo Pérsico, Dubai é desde o século XIX, quando não passava de uma vila de pescadores e catadores de pérolas, o mais importante entreposto comercial da região. A presença constante de estrangeiros ajudou a formar a atmosfera cosmopolita e tolerante. O petróleo começou a ser explorado nos anos 50. Abu Dhabi, o emirado vizinho, tem a quarta maior reserva conhecida, mas o subsolo de Dubai foi menos favorecido pela geologia. A verdadeira riqueza do país é a vocação comercial. O porto de Dubai, localizado na maior baía artificial do mundo, é o mais importante do Oriente Médio. O setor de transportes, estocagem de produtos e comunicações representa mais que o dobro do petróleo na composição do PIB local. Nos últimos dez anos, aproveitando sua localização estratégica, a meio caminho entre a Europa e a Ásia, Dubai investiu na atração de empresas estrangeiras e na ampliação de sua rede de comunicações e transportes.
Na Cidade da Internet, inaugurada em 2000, já se instalaram filiais da Microsoft, Dell, Siemens, HP, Oracle e IBM, os gigantes mundiais da tecnologia digital. Outro pólo empresarial, chamado DuBiotech, foi projetado para atrair laboratórios farmacêuticos. Há seis anos, Dubai inaugurou sua bolsa de valores, cuja ambição é atrair o capital gerado pelo petróleo nos países vizinhos. Por enquanto, a operação é incipiente, negociando basicamente títulos do governo. Em parte, isso se deve à desconfiança internacional decorrente da quebra do Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI), controlado pelo clã Al Maktoum, no início dos anos 90. Com sede em Luxemburgo e operações em 69 países, o BCCI foi usado para lavagem de dinheiro por narcotraficantes e terroristas. Para afastar os fantasmas do passado, Dubai adotou uma rígida legislação financeira, copiada da Inglaterra e da Austrália.
Rabia Mogarabi/AFP |
O emir Al Maktoum: um reino no deserto administrado como uma empresa |
A modernização de Dubai deve-se bastante ao emir Mohammed bin Rashif Al Maktoum, de 53 anos, que assumiu com a abdicação de seu irmão mais velho, em 1995. Discreto e avesso a badalações, o emir espelhou-se no modelo econômico de Cingapura, a próspera cidade-Estado asiática. Basicamente, o que fez foi criar um ambiente favorável às empresas estrangeiras que queiram se estabelecer, investir ou simplesmente fazer negócios.
Não há barreiras alfandegárias e as alíquotas de importação são baixíssimas. Tampouco existem restrições à compra de propriedades por estrangeiros. Com algumas exceções, as empresas são isentas de impostos – por sinal, as pessoas físicas também. O governo pode se dar a esse luxo porque dispõe de diversas fontes de recursos, como as empresas estatais. Outra importante fonte de recursos são os investimentos vindos de Abu Dhabi. O vizinho país petrolífero é o principal financiador do desenvolvimento de Dubai, ainda que os valores exatos não sejam conhecidos.
Todos os grandes negócios realizados no emirado têm participação da Dubai Holding, conglomerado controlado pelo governo e conhecido pela agressividade de seus investimentos internos e externos. Esses negócios foram colocados sob o holofote da opinião pública recentemente, quando o Congresso dos Estados Unidos se opôs à compra por Dubai de uma empresa inglesa que controla a operação comercial em seis portos americanos. Os deputados barraram o negócio no início de março sob a alegação de que seria temerário deixar na mão de árabes um setor estratégico para a segurança do país. O que o Congresso americano parece não ter entendido é que Dubai é um dos poucos países árabes, talvez o único, que adotaram o modelo de sociedade e de economia globalizada que o governo dos Estados Unidos gostaria de ver triunfar no Oriente Médio.
Dubai tem 1,5 milhão de habitantes, 80% deles estrangeiros. Boa parte dos imigrantes não fala o árabe, e o inglês é o idioma corrente nos distritos financeiros, bares e restaurantes. Não há eleições no emirado, evidentemente, mas sua economia é aberta e transparente. "Não há conflitos religiosos ou grupos fundamentalistas islâmicos atuantes em Dubai, o que faz do emirado um lugar seguro para os negócios e para a vida privada", disse a VEJA a inglesa Anoushka Marashlian, especialista em Oriente Médio da consultoria Global Insight, com sede em Londres. Manter-se a salvo de atentados terroristas é tarefa árdua para uma federação de micro-Estados com vizinhos truculentos, como a Arábia Saudita, terra natal de Osama bin Laden. A estratégia para conter os extremistas tem duas pontas. A primeira é a atenta vigilância policial nos Emirados Árabes Unidos. A segunda, de grande sucesso, é a de Dubai. Consiste em se integrar à economia global e produzir riquezas. Não há melhor remédio no Oriente Médio.
O outro lado da prosperidade
Stephanie Kuykendal/NYT |
Operários em obra de Dubai: greves e depredações |
O frenesi empreendedor de Dubai tem suas vítimas. Construções gigantescas são erguidas em prazos curtíssimos – e os operários sentem-se massacrados nesse processo. Eles ganham pouco, trabalham sob pressão, moram em alojamentos apinhados durante anos, têm o passaporte e a permissão de residência retidos pelos patrões para que não troquem de emprego e são impedidos de se organizar em sindicatos. Essa situação se tornou conhecida há duas semanas, quando uma revolta de 2 500 trabalhadores paralisou as obras do Burj Dubai, projetado para ser o edifício mais alto do mundo. O arranha-céu, que vai abrigar um hotel cinco-estrelas da grife italiana Giorgio Armani, é o símbolo da pujança de Dubai – e agora também de seu lado menos atraente. O protesto começou quando, indignados com a demora dos ônibus fretados que os levariam de volta a seus dormitórios no deserto, os operários dominaram os guardas, destruíram computadores, danificaram tratores e outros equipamentos da construtora. Os prejuízos chegaram a 1 milhão de dólares. No dia seguinte, a greve espontânea teve a adesão de mais de 2 000 operários que trabalham nas obras do Aeroporto Internacional de Dubai, outra das jóias da construção civil do emirado. A paralisação de 24 horas se encerrou depois que várias reivindicações foram atendidas, entre elas a instalação de postos de atendimento médico nos dois locais, o pagamento de horas extras, o direito a um dia semanal de folga e, evidentemente, a saída dos ônibus no horário correto. Antes, os operários tinham de esperar, em média, duas horas pelo transporte – e, nesse meio-tempo, eram obrigados a trabalhar sem ganhar hora extra. Das oito paralisações de trabalhadores ocorridas no emirado nos últimos seis meses, a do Burj Dubai foi a mais violenta.
Estima-se que do 1,5 milhão de habitantes de Dubai pelo menos 1 milhão sejam imigrantes sem qualificação profissional, na maioria vindos da Índia, do Paquistão e das Filipinas. Na construção civil, eles sobrevivem com salários entre 150 e 200 dólares por mês – é um bom dinheiro se comparado aos salários miseráveis em seus países de origem, mas insuficiente para enfrentar o custo de vida cada vez mais elevado no emirado. Muitos pagam, em seus países, mais de 1 000 dólares para agenciadores ilegais de emprego conseguirem uma vaga de trabalho em algum empreendimento na cidade-Estado. O que encontram em Dubai está muito aquém do sonhado. Uma das maiores causas de irritação entre os operários do Burj Dubai era o pequeno número de relógios de ponto na obra. O que parece um problema prosaico causava grandes transtornos: as filas para registrar a entrada no serviço são demoradas e os atrasos são descontados de seus salários. Os operários também não são totalmente livres. Só podem sair do emirado com a autorização do empregador. Com ou sem permissão, alguns não têm coragem de voltar para casa de mãos vazias e entram em depressão. O consulado da Índia em Dubai registrou, em 2005, um aumento de 16% no número de suicídios entre os imigrantes indianos.
DivulgaçãoO hotel Burj al Arab: 56 andares ao custo de 6 bilhões de dólares.
Divulgação
Praia e mar azul: 7 milhões de turistas por ano.
Turismo de luxo: de olho em turistas europeus e asiáticos.
Projeto do edifício Burj Dubai: o mais alto do mundo, ultrapassando 800 metros.
Torres do Jumeira Beach: arquitetura moderna.
As gigantescas piscinas atraem os turistas de todo o mundo.
Al Qasr: um "palácio" encravado no meio de um resort.