O IMPEACHMENT NECESSÁRIO
por Augusto De Franco, na Folha
As oposições não querem. Antes, também não queriam. Agora, porque está
muito perto das eleições. Antes, porque estava muito longe. Estão
doidas para fazer campanha e avaliam que esse tema pode até atrapalhar
os preparativos e a arrumação dos palanques. Tudo desculpa: é puro
medo (de serem acusadas de golpismo), eleitoralismo (que confunde a
popularidade de Lula com a sua legitimidade) e, no fundo, falta de
compreensão do valor estratégico da democracia.
Eu sei. Nós sabemos. Mas, a rigor, não há como não iniciar um
movimento pelo impeachment de Lula. Por quê? Por um simples motivo:
porque Lula é o responsável pelo que está acontecendo, na medida em
que nada fez para apurar os crimes de seus subordinados e punir os
culpados. Deixou correr solta a bandidagem, banalizando o mal cometido
por uma verdadeira quadrilha formada dentro do seu governo.
E a coisa chegou a tal ponto que está desconstituindo as instituições
republicanas. Mesmo que Alckmin vença o pleito -o que é muito
incerto-, mesmo assim, o prejuízo será irrecuperável no curto e no
médio prazos.
Se forem dados a este governo mais nove meses de vida sem contestação
ético-política da sua legitimidade, mesmo que Lula naufrague nas
urnas, o processo corrosivo avançará.
Os oposicionistas que jogam água fria na conversa do impeachment dizem
que a vida é assim mesmo, usando, por um lado, argumentos de
sociologia política (baseados na análise das tais condições
desfavoráveis, como se isso fosse ciência), e, por outro lado,
aforismos retirados do livro bíblico da sabedoria: tudo passa, isso
também passará. Com um novo presidente, teríamos novo céu e nova
terra, e se recomporia rapidamente o tecido institucional (quer dizer,
como num passe de mágica, o Congresso readquiriria sentido público, os
tribunais superiores deixariam de ser defensorias do poder e a máquina
administrativa, hoje inteiramente aparelhada, renasceria íntegra das
cinzas).
Ora, quatro anos de infestação partidária, de alteração degenerativa
do corpo e do metabolismo das instituições públicas e de perversão da
política não podem ser consertados em pouco tempo, a não ser que haja
uma ruptura contundente com as práticas anteriores, simbolizada pela
punição e execração pública dos culpados por tantos delitos.
Ou seja, o ganhador da loteria eleitoral, mesmo que seja Alckmin,
sobretudo depois de ter sobrevivido a mil e uma denúncias do PT (e
elas virão como avalanche, aguardem), não poderá contar com alta dose
de confiança. A credibilidade da "classe política" foi derruída a um
ponto tal pelas práticas lulo-petistas e pela sua linha tática de
defesa, ao disseminar a idéia de que todos são iguais no crime- que
não há volta fácil. Não será trivial fazer o povo confiar novamente
nas instituições da nossa democracia representativa.
Ademais, permanecendo impune, a quadrilha que se organizou no governo
para assaltar o Estado brasileiro e falsificar o processo democrático
continuará atuando (nos Estados e prefeituras eventualmente
conquistados, nas organizações da sociedade aparelhadas, nos
sindicatos e movimentos sociais que funcionam como linha auxiliar do
partido) e infernizando a vida do vencedor. Darão o troco, fazendo
aquilo que a oposição atual -tendo a lei do seu lado- não quis fazer
por falta de coragem e de visão. Ou seja, arrumarão falsos pretextos
para desestabilizar o novo governo.
Esse é o motivo pelo qual não basta vencer Lula eleitoralmente. É
necessário derrotá-lo politicamente, quer dizer, derrotar as
concepções e as práticas que refletem o seu projeto de poder. Só um
movimento pelo impeachment teria força simbólica para sinalizar, para
o conjunto da população, que o país mudou. Ocorreria algo semelhante
àquele alto-astral que sucedeu ao impeachment de Collor, quando as
pessoas começaram de novo a acreditar no Brasil, lavando a alma ao
limpar o país da lama collorida.
O impeachment seria a melhor solução democrática, inclusive porque a
menos traumática no médio prazo. Não havendo o impeachment -ou, que
seja, ao menos um movimento pelo impeachment capaz de suscitar a
emergência de uma opinião pública insurgente- e não havendo punição
exemplar para os envolvidos, com a total defenestração dos
aparelhadores do Estado, o próximo governo carregará, aí sim, uma
herança maldita (porque autocrática) de proporções incalculáveis.
Isso, é claro, para não falar dos riscos da reeleição de um governante
que, conquanto ainda tenha popularidade, não tem mais legitimidade.
Deixá-lo concorrer nestas circunstâncias, promovê-lo a competidor
legítimo depois de tê-lo poupado e mantido contra a lei e os bons
costumes é um erro cuja conseqüência se abaterá sobre nós como uma
bomba se, por acaso -o que não é difícil-, Lula tirar a sorte grande
na loteria eleitoral que se avizinha.