Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 14, 2006

O FMI sinaliza que não há crise à vista

VEJA
A arte de enxergar longe

Prever crises e agir antes do desastre:
a nova receita dos países emergentes


Giuliano Guandalini


Atolada em dívidas, com as contas externas no vermelho e encurralada pelos especuladores, a Tailândia entregou os pontos em 1997. A moeda do país, o baht, desabou. Os investidores fugiram em manada dos Tigres Asiáticos, temendo o contágio tailandês. No meses seguintes o tsunami financeiro arrastaria Indonésia, Filipinas, Malásia e Coréia do Sul – países com economias que dependiam do capital externo para fechar suas contas. Nos anos seguintes cairiam Rússia, Brasil e Argentina. O abalo da crise asiática trouxe um período de penúria e baixo crescimento. No mês passado, uma nova crise trouxe de volta o temor de que o mundo estaria diante de um novo ciclo de crises. Depois de três anos de uma bolha inflada pelo capital estrangeiro, a Islândia começou a enfrentar a descrença dos investidores. O gelado país do extremo norte europeu, de 300.000 habitantes, enfrenta uma fuga de divisas. Suas ações, que tinham subido 400% entre 2003 e o começo deste ano, estão em forte queda. A turbulência no minúsculo país gerou temores e inúmeras discussões nas páginas do Wall Street Journal e do Financial Times. Estaria o mundo prestes a ser arrastado por uma nova onda de crises financeiras? A resposta é um sonoro não – ao menos por enquanto. Embora existam riscos, os países em desenvolvimento (também chamados de emergentes) vivem um período de inédita solidez de seus fundamentos e previsibilidade econômica. Pelos seguintes motivos:

Em vez de saldos negativos, os países em desenvolvimento registram hoje um grande superávit nas contas externas. De um déficit de 115 bilhões de dólares em 1998, eles têm agora uma sobra de divisas que poderá alcançar 500 bilhões de dólares neste ano.

De devedores, esses países passaram a ser credores em dólares. Hoje não são os pobres que devem aos ricos; são os desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, que devem aos emergentes.

Esses países, de maneira geral, abandonaram políticas populistas e executam com muito mais seriedade suas políticas econômicas, trazendo estabilidade e confiança dos investidores.

Os emergentes estão tirando proveito do crescimento do comércio mundial, ampliando suas exportações e economizando dólares.

Essas economias são hoje bem mais transparentes, abertas e diversificadas do que eram no passado, o que as deixa menos sujeitas a choques externos.

Os países aprenderam a duras penas que é preciso enxergar longe, fazer planejamento e agir contra as tempestades antes que as nuvens se tornem negras. Em resumo, o ambiente econômico mundial tornou-se mais racional e previsível. Isso não significa que nunca mais haverá crises globais – afinal, crise é justamente algo que não se pode prever. Mas as defesas hoje são bem mais fortes. Não por acaso, só houve reflexo do abalo islandês em países cujas contas externas operam no vermelho, como a Hungria. No resto do planeta, mal se tomou conhecimento da turbulência na terra da cantora Björk. Segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), países como o México e o Brasil souberam tirar lições de seus erros do passado. "Os mercados financeiros, nos últimos anos, têm sido caracterizados por uma aguda melhora em sua resistência", disse Gerd Häusler, diretor da divisão de mercado de capitais do FMI. Tome-se o caso do Brasil. Em 1998, o país amargou um megadéficit de 33,5 bilhões de dólares nas suas contas externas. O sistema de paridade com o dólar, mantido a duras penas até a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, ruiu. O país quebrou e teve de ser socorrido pelo FMI. O Brasil adotou o câmbio flutuante e estancou a sangria dos gastos públicos. A gestão econômica foi aprimorada e as exportações dispararam com o alto crescimento mundial. Resultado? O país teve um saldo positivo de 14,2 bilhões de dólares nas suas transações internacionais no ano passado. As reservas em divisas estrangeiras, que são recursos utilizados para honrar débitos externos, subiram a 60 bilhões de dólares. Outro exemplo de robustez é a China. Há dez anos, as reservas internacionais chinesas eram de 100 bilhões de dólares; hoje já passam de 700 bilhões. Com uma blindagem desse tamanho, é improvável que o país sofra um ataque especulativo como o que vitimou seus vizinhos asiáticos.

Essa engorda das reservas está sendo feita conjuntamente pela grande maioria dos emergentes. Para o americano Allan Meltzer, da Universidade Carnegie Mellon, o risco de uma crise sistêmica é hoje muito menor. "É menos provável o ataque de especuladores, e os países têm como se defender", disse Meltzer a VEJA. Reflexo disso tudo é que o FMI entrou em crise existencial. Quase todos os países quitaram seus débitos com o Fundo, e, para alguns, a instituição perdeu sua razão de existir. Os emergentes também avançaram na administração de suas dívidas e sofisticaram seus mercados financeiros. Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve (o banco central americano) que acaba de se aposentar, sempre foi um entusiasta dessa revolução. "Instrumentos financeiros cada vez mais complexos contribuíram para o desenvolvimento de um mercado financeiro muito mais flexível, eficiente e resistente", afirmou recentemente.

A globalização chegou a ser considerada o principal algoz dos emergentes na década passada. A atual estabilidade mundial atesta que a integração dos mercados pode trazer muitos benefícios para aqueles que souberem tirar proveito de suas virtudes.



Fotos Gladstone Campos, Marcos Rosa, Nelio Rodrigues, Antonio Ribeiro, Ricardo Stuckert, Monica Zarattini/AE, Ana Araujo

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