O GLOBO
Pode ser que o ex-presidente Itamar Franco não consiga a legenda do PMDB para se candidatar à Presidência da República, mas sua entrada na arena eleitoral foi em grande estilo, e já começa a motivar até mesmo boatos que alimentam as crises virtuais dos fins de semana prolongados pelo feriadão da Semana Santa. A reunião com o ainda todo poderoso petista José Dirceu gerou a especulação mais radical de todas: a de que o presidente Lula desistiria de se candidatar novamente, abrindo caminho para que o PT apoiasse Itamar, indicando o vice de sua chapa.
Esse boato é conseqüência de um outro, disseminado pela internet pelo prefeito do Rio, Cesar Maia, que anunciou uma bomba política para o fim de semana que poria a sucessão de Lula de volta à estaca zero. A bomba tanto poderia ser a quebra do sigilo bancário do amigo Paulo Okamotto quanto uma entrevista do ex-presidente da Caixa Econômica Jorge Mattoso, mas com uma grande vítima comum: o presidente Lula, que teria, finalmente, comprovada a participação direta nos crimes atribuídos até agora à cúpula do PT e a ministros próximos a ele com gabinete no Planalto.
Aparentemente os boatos não passam de "wishifull thinking", meros desejos da oposição, sem base na realidade. Mas Itamar continua no imaginário coletivo, agindo como sempre agiu na política brasileira, na base da intuição, que sempre lhe garantiu posição de relevo. Os adversários o classificam de "Forrest Gump", aquele personagem vivido nas telas por Tom Hanks, que participou dos maiores eventos históricos por acaso.
Seus admiradores o comparam a Romário, sempre bem posicionado dentro da área. O fato é que ao assumir a pré-candidatura à Presidência, Itamar Franco ocupou um espaço que aparentemente existe na corrida sucessória, e deu um golpe de mestre no seu rival partidário, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, mostrando como ainda se faz política com sutileza em Minas.
Há alguns meses, houve um almoço em Brasília que reuniu três mineiros ilustres: o governador Aécio Neves, o vice-presidente José Alencar e o ex-presidente Itamar Franco. O que ficou da conversa foram mesuras e palavras elogiosas dos três, e um recado oblíquo, no bom estilo mineiro de se fazer política.
Ali estavam três políticos mineiros que já haviam assumido a Presidência da República em algum momento de suas vidas, e que poderiam voltar a fazê-lo a qualquer momento. E os três prometiam apoio mútuo para defender os interesses de Minas.
Itamar, depois de anunciar sua pré-candidatura na frente de um atônito Garotinho, que fora a Belo Horizonte tentar constrangê-lo e chegou atrasado, depois de José Dirceu ter ficado mais de uma hora com Itamar, anunciou, com ar misterioso, que agora iria "ouvir Minas", o que pode não dizer nada para a maioria das pessoas, mas tem significado para seu público interno.
Itamar pode não ser da estirpe dos grandes políticos mineiros — Alckmin, Tancredo, Juscelino, Magalhães Pinto — mas tem pelo menos aquele ar matreiro que sugere uma esperteza política superior, mesmo inexistente. Como ele mesmo diz, tem seus métodos próprios, seus processos, e é com eles que começa uma caminhada que não se sabe onde vai terminar, mas pode muito bem colocá-lo de volta no Palácio do Planalto, desta vez com votação própria.
O ex-presidente é uma figura pessoalmente simpática, popular, e nunca teve contra si acusações de corrupção tão disseminadas na campanha eleitoral. No máximo pode ser acusado de ter vagado pelo exterior em belas mordomias por Lisboa, Washington e Roma, sem que justificasse as nomeações para embaixador do Brasil.
Mas até mesmo aí sua defesa é bem popular: tinha que sobreviver, não tinha dinheiro para se manter desempregado, o que denota uma vida pública honesta. Se conseguir superar as divisões eternas do PMDB, e bater Garotinho na ainda hipotética convenção do partido em junho, Itamar teria um perfil favorável para o momento político. Mas não deve ter esquecido a humilhação a que foi submetido pelo mesmo PMDB quando quis se candidatar à Presidência em 1998 contra Fernando Henrique.
Até mesmo o mote de campanha Itamar já teria: reassumir o papel de criador do Plano Real, que ficou na história na conta de Fernando Henrique, antigo aliado, hoje quase desafeto. Na verdade, somente Fernando Henrique conseguiria reunir em torno de si todos aqueles economistas que conceberam e implantaram o Plano Real.
E somente um político com a habilidade de Fernando Henrique poderia negociar as mudanças com um presidente de temperamento tão mercurial quanto Itamar. Não foram poucas as vezes em que o programa que acabou com a inflação esteve ameaçado por uma visão de Estado retrógrada que dominava o "núcleo duro" do governo Itamar, mais propenso a congelamentos de preços.
Mas é verdade também que Itamar, de uma maneira ou de outra, levou à frente o projeto e ainda encampou a candidatura de Fernando Henrique à Presidência. Itamar, um mestre nas idas e vindas da política, aparentemente está apenas querendo colocar obstáculos à candidatura de Garotinho dentro do PMDB, para garantir uma vaga para a disputa pelo Senado.
Atrapalhar Garotinho interessa ao Palácio do Planalto, e por isso Itamar pode ganhar o apoio indireto do PT em uma aliança branca. Mas também o governador Aécio Neves quer ajudar Itamar na sua disputa interna no PMDB com o ex-governador Newton Cardoso.
Teoricamente, deveria interessar a Aécio a candidatura de Garotinho, que pode ajudar o candidato tucano Alckmin a chegar ao segundo turno. E, também teoricamente, não interessa a Aécio que um mineiro dispute a Presidência da República agora, quando seus planos são para 2010. Mas os mistérios da política de Minas são insondáveis.
Entrevista:O Estado inteligente
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