Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 16, 2006

JANIO DE FREITAS À sombra dos escândalos

FOLHA
Não só de violações de sigilo e do decoro parlamentar se fazem, hoje em dia, as investidas contra o interesse geral, nos seus sentidos tão variados e tão pouco bem percebidos. A exemplificação é farta. Por descaso jornalístico ou por motivo que desconheço, jornais e TV têm ignorado um fato de relevância: você sabe que já chega a dois meses a greve no setor de fiscalização da Vigilância Sanitária federal? Se o conteúdo das salsichas ficou ainda mais misterioso, não pode ter piorado muito em relação ao anterior. Mas há hospitais e laboratórios de exames médicos impossibilitados de serviços indispensáveis a muitos pacientes, às vezes, casos de urgência. Já lhes faltam kits e acessórios de exames porque a importação e a liberação dependem da burocracia fiscalizadora da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
O mesmo se dá com substâncias para fabricação de remédios, a maior parte produzida no exterior, mesmo que se trate só de uma vitamina vulgar. Em inúmeros casos, o próprio remédio é importado e apenas embalado aqui. Não se sabe, porém, a exata dimensão das conseqüências já existentes. E o fim da greve não impedirá a continuidade agravada do problema, porque, além das importações à espera de liberação, muitas outras deixaram de ser embarcadas na origem por falta, aqui, das autorizações prévias da fiscalização sanitária.
Há esperanças, no entanto. Quando o problema chamar a atenção, por produzir conseqüências de proporção escandalosa, o governo dos sindicalistas, do Partido dos Trabalhadores, dos especialistas em greves e negociações trabalhistas vai pensar na conveniência de solucionar a greve. Depois de atribuir o problema à intenção eleitoral de prejudicar o vigilante e eficiente governo Lula.
A Varig é um bom exemplo da interferência de interesses não-governamentais na conduta governamental, em detrimento do interesse do próprio país. Nesse sentido, os golpistas de 64 já deixaram o fechamento da Panair como exemplo histórico da imoralidade no poder, por comunhão de estreiteza militar e largueza de ambições empresariais. O governo Lula quer deixar a Varig como outro exemplo histórico de conjunções ilegítimas.
A Varig chegou à situação desastrosa por muitos fatores, mas permaneceu nela e afinal entrou em pré-coma por culpa do governo. Primeiro, governo Fernando Henrique Cardoso, com sua sujeição de interesses nacionais e dos cofres públicos a pretensas "leis do mercado". Depois, o governo atual.
Ministro da Defesa no primeiro ministério de Lula, o embaixador José Viegas conduziu a montagem de uma fórmula salvadora da Varig, sem uso de recursos do governo. Com outro ponto de partida, Carlos Lessa, então presidente do BNDES, foi na mesma direção. Logo vieram as protelações provocadas por diferentes gabinetes da Presidência, enquanto o general Francisco Albuquerque entrava em sucessivos atritos com o ministro, já àquela altura dispondo da mesma cobertura palaciana que recebeu em sua gloriosa carteirada aeroviária.
A fórmula de José Viegas não incorporava a salvação também da Transbrasil. Já paralisada, a Transbrasil nada tinha em comum com a situação e o significado nacional da Varig, mas era notório que tinha a seu lado uma simpatia muito eficaz: a do advogado Roberto Teixeira, o compadre de Lula que está convocado para depor terça-feira na CPI dos Bingos. Não em razão da Transbrasil, mas da acusação de envolvimento em métodos ilegais de arrecadação para o PT.
Diplomata de carreira, José Viegas saiu do ministério e assumiu a embaixada na Espanha. A Transbrasil continuou no solo, mas nem de longe por falta de desejos palacianos de reavivá-la. E a Varig, dizem, sangra por não haver interesses paulistas em sua existência. Os interesses estão na concorrente.
Para encerrar (a coluna, não os exemplos disponíveis), o ressuscitado Arquivo Nacional está ameaçado de perder o diretor que o tornou uma instituição outra vez admirável, apoio extraordinário para os estudos históricos brasileiros.
Nota do Gabinete Civil da Presidência nega a exoneração. Mas o diretório do PT do Rio já a confirmara, inclusive com o nome do futuro diretor. O recuo foi forçado pelas reações, interna e externa, à notícia da demissão. Há indicações, porém, de ser recuo apenas temporário. Entende-se: a substituição de Jaime Antunes, funcionário de carreira do Arquivo, foi pedida pelo PT do Rio para a nomeação de um indicado de Benedita da Silva e Marcelo Sereno, integrante do esquema de José Dirceu no Gabinete Civil. Ambos, convenhamos, de reconhecida autoridade para determinar quem deve gerir o estupendo patrimônio cultural do AN.

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