Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 14, 2006

Entre o ruim e o pior

VEJA
Entre o ruim e o pior

No segundo turno, os peruanos
devem escolher entre dois populistas,
Ollanta Humala e Alan García


Diogo Schelp


Pilar Olivares/Reuters
Ollanta Humala em campanha: o coronel está mais para Mussolini do que para Marx

Não foi por falta de opção. O cardápio oferecido aos eleitores peruanos era variadíssimo – vinte diferentes candidatos disputaram a Presidência do Peru nas eleições de domingo 9. Ainda assim, como está virando moda na América Latina, os peruanos devem decidir no segundo turno entre um candidato ruim (Alan García) e um pior (Ollanta Humala). Com um terço dos votos, Humala está garantido na disputa decisiva. Ainda é preciso esperar até a contagem das últimas urnas, o que deve ocorrer nesta semana, mas os prognósticos são de que García, com cerca de 25% dos votos já contados, baterá por pequena vantagem a candidata Lourdes Flores, ex-deputada por Lima. Isso significaria que a escolha será entre dois tipos de populismo.

Humala é novato em política. Suas promessas de campanha são, basicamente, mão firme contra os "exploradores do povo" e uma "política econômica nacionalista". Essa expressão significa, pelo que ele já explicitou, nacionalização dos minérios e do petróleo e aversão aos investimentos estrangeiros. Humala beneficiou-se do alto índice de insatisfação dos peruanos com o governo do presidente Alejandro Toledo. É um paradoxo: a política de Toledo de controle dos gastos públicos, respeito aos contratos e incentivo às exportações fez a economia do Peru crescer 20% no acumulado dos últimos cinco anos. A explicação pode estar no fato de que, apesar desse crescimento, o índice de pobreza no Peru caiu apenas 2% nos últimos cinco anos – metade da população do país é pobre.

Alan García é ex-presidente, candidato de um partido tradicional. Em sua mão, entre 1985 e 1990, o Peru conheceu o caos econômico, a hiperinflação e o descontrole da guerrilha do Sendero Luminoso. Eleições como a peruana, logo depois da posse de Evo Morales na Bolívia e de Michelle Bachelet no Chile, dão a impressão de que a América Latina iniciou uma irrefreável virada à esquerda. Há grande injustiça em pôr todos eles no mesmo saco. A chilena Bachelet, o brasileiro Lula e o uruguaio Tabaré Vázquez representam governos responsáveis, socialistas moderados ou social-democratas. Chávez, Morales, Humala e o argentino Néstor Kirchner simbolizam um velho fenômeno que já causou muito mal à América Latina, o populismo.

 

Kiko Castro/AFP
Daniel Silva/Reuters
Lourdes e García, um deles vai disputar com Humala no segundo turno. Ex-presidente, García é o favorito

O político populista pode ser identificado, entre outras características, pelo discurso demagógico e por apelar diretamente às massas em detrimento das instituições. Na economia, costuma prometer crescimento e distribuição de renda sem se importar se a contrapartida é a inflação, o déficit público e outros desastres que terminam por deixar os pobres mais pobres. O populismo não é nativo do continente latino-americano, mas é recorrente por aqui. Por sua vez, a esquerda latino-americana sofre de atração fatal por líderes populistas, mesmo quando eles não são ideologicamente de esquerda.

O argentino Juan Perón inspirou-se no fascismo e ofereceu refúgio aos criminosos nazistas depois da II Guerra. Apesar disso, o partido do presidente Kirchner, que se apresenta como um companheiro na luta antiglobalização, supostamente existe para perpetuar seus ideais. O nacionalismo do coronel peruano lembra mais Mussolini do que Marx. "Humala representa uma mistura estranha de esquerdismo, pelo que defende de política econômica e social, e fascismo, por seu discurso autoritário e imagem de militar durão, o que parece agradar ao eleitorado", disse a VEJA o peruano Alvaro Vargas Llosa, do Instituto Independente em Washington, nos Estados Unidos.

Humala, Morales e Chávez estão de acordo em três pontos. Primeiro, em atribuir à globalização econômica e à abertura comercial a pobreza em seus países. Segundo, pelo apelo étnico: os três enaltecem as próprias origens indígenas e mestiças para buscar identificação popular. "Humala explora um mito que toca fundo no imaginário de 80% da população do Peru, os índios e mestiços: o retorno à era dourada do império inca", disse a VEJA o peruano Alfredo Torres, diretor do instituto de pesquisas Apoyo, de Lima. O terceiro ponto em comum é o empenho em dar uma fachada democrática a práticas autoritárias. Humala já avisou que pretende dissolver o Congresso para convocar uma Assembléia Constituinte, como fez Chávez na Venezuela. É claro que sua vida não será tão fácil. O venezuelano pode financiar suas aventuras com o dinheiro farto da venda do petróleo. O Peru é um país miserável, que só tem a perder com o isolamento econômico.

Ollanta Humala, 42 anos, é acusado de tortura e execuções sumárias no início da década de 90, quando combateu o Sendero Luminoso. Esse currículo pega bem entre os pobres peruanos, que sofreram nas mãos dos alucinados maoístas. Em 2000, Ollanta ("guerreiro que tudo vê", na língua dos incas) e seu irmão Antauro, também oficial do Exército, tentaram um levante militar para derrubar o presidente Alberto Fujimori. A tradição golpista dos Humala repetiu-se em janeiro do ano passado, quando Antauro comandou uma quartelada para derrubar o presidente Alejandro Toledo. Ollanta garante que não tem nada a ver com o irmão. Também tenta se distanciar das declarações do resto da família. Sua mãe propõe fuzilar os homossexuais. O irmão quer executar o presidente Toledo. O pai, comunista empedernido, defende anistia para os senderistas presos. Ou seja, a família Humala quer ver sangue derramado.

 


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