Diga-se a respeito do PT e do governo qualquer coisa, atribuam-se a ambos as mais vis acusações, só não se pode deixar de reconhecer sua inesgotável capacidade de superação na arte do engodo. Tão acentuado é o dom de iludir, que se acreditam em perfeitas condições de disfarçar o indisfarçável.
Mesmo diante da denúncia absolutamente preto no branco apresentada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, ao Supremo Tribunal Federal, os governistas não se curvaram às evidências. Antes dobraram a aposta na arrogância e assumiram pose de guardiães da democracia.
Acusado de ter montado um esquema criminoso para se manter no poder, o PT ontem deu-se ao sofisma de dizer que a denúncia do Ministério Público é "prova" do caráter democrático do governo e "demonstração cabal" de que as instituições funcionam perfeitamente.
Como se fossem as instituições as fontes dos defeitos em cartaz e a democracia dependesse do indiciamento de ministros, deputados, empresários, burocratas partidários, banqueiros, lobistas e publicitários para ter sua consolidação demonstrada.
Se as coisas pudessem ser analisadas desse modo, hoje, no lugar da condenação geral, o ex-presidente Fernando Collor deveria ser alçado à condição de herói nacional. Afinal, propiciou ao Brasil enfrentar um processo de impeachment presidencial sem retrocesso democrático.
Lá como cá, o caso não é de crise institucional, muito menos se trata de comemorar, como obra de concessão governamental, o básico. Isto seria realmente esperar muito pouco do País e acreditá-lo no mesmo estágio de 20 anos atrás.
Lá como cá, trata-se pura e simplesmente da ocorrência de crimes cometidos a partir de uma visão de que governar é tomar de assalto (literalmente) o poder público.
Uma concepção de política mais respeitosa e civilizada levaria o PT e o governo não ao ensaio de uma reação ofensiva de defesa em relação à denúncia do procurador, mas à humildade da reflexão, do reconhecimento de um quadro grave, da disposição de encontrar uma saída decente para os que ficaram de fora das malfeitorias e sobretudo da reaproximação com o eleitor por meio da abordagem madura dos problemas.
Mas a opção parece ter sido, mais uma vez, pelo refúgio naquele mundo da lua todo particular, cujos habitantes, de tão abilolados, já nem levam em conta mais seus próprios atos e palavras.
O PT e o governo deixam de lado a mais comezinha das evidências: não estão credenciados ao posto de fiadores da institucionalidade, pois acabaram de ser flagrados no uso do aparelho de Estado para a consecução de crime contra um cidadão que ousou desmentir o ministro da Fazenda.
São tantas as incongruências, as mentiras, os disfarces, que os petistas vão acabar falando sozinhos. E tolices no mais das vezes. Agora mesmo não conseguem manter uma linha de coerência na reação à denúncia "dos 40".
Ao mesmo tempo em que exaltam a "soberania" do Ministério Público e do procurador indicado pelo presidente Luiz Inácio da Silva, não podem conferir crédito às acusações feitas por ele sem correr o risco de se desviar do caminho do apego à negativa dos fatos e da criação de outros cada vez mais inverossímeis.
Fica difícil também sustentar o discurso da conspiração eleitoral e da inutilidade de se fazer uma CPI porque, como dizia lá atrás o PT, os procuradores e os policiais federais dariam conta das investigações.
A PF ainda está devendo a sua parte, incluindo a conclusão sobre o caso Waldomiro Diniz, mas o Ministério Público cumpriu o seu papel de defensor da sociedade. Para isso ganhou reforço e independência da Constituição de 1988. Sem a chancela do PT, pois a Carta não lhe pareceu digna o suficiente para receber a assinatura do partido.
Crédito
O ministro da Justiça está firme do cargo e confortável para esclarecer sua participação nas tratativas de defesa do ex-ministro Palocci por causa da quebra do sigilo de Francenildo dos Santos Costa porque, segundo ele, conta com a "confiança" do presidente da República.
Resta saber a quantas anda o crédito do ministro Márcio Thomaz Bastos junto à sociedade à qual outrora emprestou sua biografia no terreno do bom combate.
Reputação
O chefe do chamado núcleo estratégico do governo, Luiz Gushiken, sustenta sua defesa em relação à denúncia do Ministério Público na desqualificação do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato.
Segundo Gushiken, o procurador errou ao basear seu indiciamento em declarações do "senhor Pizzolato" , um cidadão "suspeito", alvo de investigações, de conhecidas e antigas "relações com Marcos Valério".
Por isso, Pizzolato não seria fonte confiável de informações. Mas serviu, a despeito da reputação, para ocupar uma diretoria importante do Banco do Brasil por mais de dois anos.