Ontem, esta coluna fez a primeira análise das "Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores". Esta é uma segunda avaliação.
É um documento que pretende fincar as bases da plataforma de um segundo mandato do presidente Lula, "que não se confunde com Programa do Partido (...) e busca ir além dos partidos". Desse ponto de vista, é a primeira iniciativa para formular diretrizes de política econômica para o próximo governo.
O texto não chega a afirmar, como o fizeram documentos anteriores do PT, que a política do governo Lula está errada e que é preciso mudar de rumos. Mas vai nessa direção.
Contém uma enorme contradição. Diz que o governo Lula impediu o desastre configurado na herança maldita: "Estando o País à beira do abismo, a equipe econômica atual teve de fazer aquilo que a anterior não fez para evitar - como conseguiu - a catástrofe." Segue-se a enumeração de sucessos da administração Lula: controle da inflação, início da distribuição de renda, retração da vulnerabilidade externa, superávit nas contas com o exterior, redução da dívida pública, reconquista da confiança externa (identificada pela queda do prêmio de risco) e por aí vai.
A contradição vem a seguir, primeiramente, quando define que essa política vitoriosa é conservadora, neoliberal, excessivamente elitista e quando arremata: "A obra do governo Lula é parcial, desigual e incompleta." E quando avisa que essa política, que tirou o País do buraco, é inaceitável, especialmente na área fiscal e monetária (juros).
Lá está dito que a formação de superávits primários (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) subtraiu recursos do investimento e do custeio públicos. E que o Banco Central "se chocou com as bases sociais do governo e com o próprio governo". Conclua-se que a política fiscal tem de ser afrouxada.
Em junho de 2002, o então candidato Lula assinou a Carta ao Povo Brasileiro. Comprometeu-se a puxar o superávit primário para onde fosse preciso de modo a controlar a escalada da dívida pública e a elevar os juros para onde tivessem de ir para derrubar a inflação. São esses compromissos que o novo texto quer ver removidos, na medida em que atrapalham a política desejada.
Ao mesmo tempo que repudia a autonomia operacional da autoridade monetária, quer ver o Banco Central atrelado a uma política de dispêndio público. É entregar o comando do instituto das emissões de moeda a políticos que adoram gastar.
Em nenhum momento o documento reconhece que o rombo da Previdência Social é grave e exige reforma imediata. Tampouco lembra que o atual ajuste das contas públicas se baseia na sobrecarga de impostos, insustentável diante do crescimento da despesa pública, e que essa situação pede uma reforma tributária urgente.
E, ao exigir que o Banco Central extrapole suas funções de guardião da moeda e "passe a preocupar-se com o crescimento, o emprego e o bem-estar social, como ocorre em outros países", as "Diretrizes" propõem o salto para o imponderável.
Não é verdade que economias importantes tenham bancos centrais atrelados ao governo e que fomentam o crescimento e o emprego. O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, o exemplo sugerido no documento, é um dos mais autônomos do mundo. Sua principal função, apesar de reiteradas afirmações em contrário, é defender o dólar, e não criar empregos e puxar o crescimento.
Enfim, essas "Diretrizes" renegam a política econômica que o presidente Lula julga correta. Se for acatado como Programa de Governo, lançará incertezas, as mesmas que a Carta ao Povo Brasileiro tratou de dirimir.
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